sexta-feira, 13 de março de 2009

A resposta de Hugo Xavier a Jorge Candeias

Hugo Xavier responde ao comentário de Jorge Candeias. A preto, o comentário de Jorge Candeias, a azul o comentário de Hugo Xavier.

«E assim se encheriam algumas vinte páginas. Por onde começar?

Bem, como não tenho muito tempo (tenho uma tradução para fazer, na qual estive a trabalhar ontem, domingo, anteontem, sábado, e ao longo de todos os dias da semana anterior e de quase todos os dias de Fevereiro), vou só comentar algumas das coisas que o Hugo Xavier respondeu ao Jorge Palinhos.

Diz o Hugo, em tom de queixa, que «é uma pena que as pessoas não possam emitir uma opinião». Que eu tivesse dado por isso, ninguém sequer sugeriu que ele se calasse. Todos nós, que eu tenha reparado, limitámo-nos a contrapor à opinião do Hugo as nossas, que não coincidem necessariamente com a dele. Consequência de serem opiniões, suponho.

É pena que não se possa expressar uma opinião sobre uma face de um assunto sem que esta seja imediatamente tomada como ataque a uma classe.

Concordo por inteiro com o Hugo quando diz que, para se traduzir bem, é importante ter talento e, acrescentaria, gosto pelo que se faz. Na verdade, até sugeriria que o talento e o gosto são capazes de substituir com vantagem toda a formação académica na área. Mas faz-me espécie que um editor se queixe de ter de seleccionar tradutores entre os CV que recebe e os testes de tradução que vai fazendo. Não é (também) esse o seu trabalho, Hugo? Não será essa a parte que compete aos editores na selecção e promoção dos bons tradutores e da qualidade na tradução? Ou parte dela, pelo menos; a parte inicial, seguida por fornecer aos tradutores seleccionados as condições para que façam um bom trabalho: um pagamento condigno e atempado e prazos decentes.

Claro que é. Não é disso que me queixo, mas da qualidade global má da maioria dos testes que faço. O trabalho não me assusta, a sua inutilidade sim. Expliquei isso na resposta ao Jorge Palinhos, como expliquei no texto original, como expliquei nas várias respostas que entretanto deixei a outros comentários.

Os anglófonos chamam «slush pile» ao material de má qualidade ou inaproveitável que as editoras recebem. Geralmente, aplicam o termo à ficção original, mas também se pode estendê-lo aos CV e testes de tradução de candidatos a tradutores. Ora bem: é precisamente em desbastar o «slush pile», em separar o trigo do joio, que consiste uma parte considerável do trabalho de um editor. Porquê, então, a lamúria? Confesso que não gosto particularmente de ler três vezes tudo aquilo que traduzo (uma antes da tradução, para identificar armadilhas e ter uma noção razoável do tom geral, uma, óbvia, durante, e outra depois, para apanhar o máximo de asneiras possível), mas faço-o porque isso faz parte do meu trabalho. Os editores têm os maus manuscritos e as más provas de tradução. É a vida. Há que aceitá-la, ou partir para outra.

Para concluir, o Hugo dá alguns sinais de ter uma certa dificuldade em compreender porque motivo os tradutores se sentem tantas vezes desrespeitados. Dou-lhe umas achegas. Há o pagamento insuficiente do trabalho e os prazos absurdos que por vezes surgem, mas isso já está falado. Há o facto de, muitas vezes, o nome do tradutor ser refundido para a ficha técnica. Há coisas como a frustrada iniciativa do blogue Os Livros, que resolveu premiar toda a gente envolvida no processo de edição menos, claro, os tradutores. Há o facto de só um número reduzido de editoras incluírem o nome do tradutor nas fichas dos livros que têm nos respectivos sites. E de nenhuma das livrarias online que eu conheço o fazer. Será preciso mais?

Não, caro leitor, não tenho nenhuma dificuldade em compreender. Só acho que o trabalho ser mal pago ou mal reconhecido não tem nada a ver com o empenho e profissionalismo que nele colocamos. E, já agora, os editores que seleccionam as obras, escolhem os tradutores, organizam a revisão e tratam da apresentação do livro ao público, nem sequer na ficha técnica têm o nome.

Neste ambiente, caro Hugo, não devia sentir-se surpreendido por os tradutores reagirem mal quando escreve coisas como as que o Jorge Palinhos citou. Até pode ter razão em muito do que diz, mas, convenhamos, as editoras, os editores e até o público têm demasiadas culpas no cartório para que esse tipo de crítica mais ou menos indiscriminada a uma classe (e APENAS a ela) não caia mal.

Não me surpreendem. Não as aceito em resposta ao que aponto. São coisas diferentes.