segunda-feira, 9 de março de 2009

Policial Portuguesa, por Nuno Seabra Lopes

A primeira vez que, verdadeiramente, vi Rogério Casanova foi para mim estranha.
O frio da noite da passada quinta-feira não se fazia sentir e Rogério apoiava pesadamente o braço na tampa do caixote do lixo do restaurante, ainda meia aberta com a quantidade de sacos deixados ao longo do dia. Aquela pessoa que eu já anteriormente havia conhecido transfigurava-se então, maquilhava-se agora com os dispersos fios amarelos dos restos do bacalhau com grão, que pontilhavam o longo percurso entre a camisola angorá e o entrançado dos cordões dos sapatos, e erguiam uma face diferente, um sorriso nublado e franco.
Foi à luz da noite que soube que Simone não era já Simone, mas Rogério, Rogério Casanova.

A primeira vez que, curiosamente, vi Simone foi para mim uma noite igual às outras.
Os cabelos longos e finos de uma cor cereal, a figura alta e magra, escorrida e sempre ligeiramente observante do que sucede e uma língua fina que, segundo quem sabe, nada augura de bom.
Simpática, ligeiramente introvertida, Simone tinha-me passado uma imagem que se veio a revelar diferente na última quinta-feira.
Desconheço se são os ares da Seita, ou o facto de as noites terem sempre o mesmo clima húmido, mas desde o momento que ela se sentou à mesa e pediu, galantemente, Whisky com leite, cruzando as pernas numa manobra impossível para aquela mesa corrida, com bancos quadrados inspirados numa cantina não italiana mas escolar, que senti uma urgência de a conhecer melhor, de falar com ela e sentir o percurso das ideias que a levam a pedir whisky com leite e tentar posições mirabolantes.
A noite veio a revelar-se divertida, com conversas cruzadas e públicos actos sádicos que me escusarei de contar. Simone, ou melhor Rogério, foi-se progressivamente libertando e descruzando as pernas, retirando o casaco e aconchegando-nos com a imagem da sua imaculada camisola angorá, falando pouco mas penetrando fundo, mudando a sua língua fina em afiada ao ponto de ninguém mais aguentar o riso e pensarmos, silenciosamente, em técnicas de homicídio à mesa que nos fizessem reter naquele espaço o tempo suficiente até que se descubra o culpado.