PROCURO ASSESSOR COMERCIAL,
por Jorge Reis-Sá (*)
É certo e sabido: a criação não convive bem com a comercialização. Ou, se convive, é só nos poemas do Alexandre O’Neill, que soube como nunca rimar mar com ir e voltar.
É também certo e sabido que a quadratura do círculo é gerir uma empresa de conteúdos que se quer criativa – editando CD, livros, etc. e tal – e não falir. No fundo, conseguir o melhor assessor comercial possível para tratar o nosso artigo cultural como, digamos, «produto».
Eu, na minha empresa, procuro um assessor comercial há meses. Já tentei pelas empresas de recrutamento, já telefonei a todos os meus amigos, já os pus a telefonar aos seus amigos para ver se alguém quer vir tratar como produto os livros que faço e que são livros.
Mas não consigo. Até já me coloquei no centro da cidade com um placard a cobrir o corpo, como os moços brasileiros fazem para anunciar a água de coco no calçadão. Ninguém. Este mundo é feito de líricos e matemáticos, pretos e brancos: mestiços, nem pensar.
Aproveito, por isso, a crónica, para oferecer emprego. Que me perdoem os Booktailors, mas eu preciso de alguém com uma cabeça que saiba trabalhar em excel e que saiba quem é o Beckett e já ando desesperado. Mandem por favor curriculuns ao meu cuidado para o e-mail dos rapazes. Obrigado. Serei o mais sério possível no recrutamento. E, estando como estou tão desesperado, extremamente flexível e aberto a contratar um colaborador que saiba, se não mais, ligar um computador.
É que o problema não é só das indústrias criativas, sejamos honestos. O problema é também do país que temos. As pessoas querem empregos, não trabalho. As pessoas querem ser felizes sem mais, não fazer pela felicidade. As pessoas querem tudo dado, não comprado. E eu, na empresa, preciso de alguém que queira trabalho, perceba que tem de fazer pela vida e, claro, que venda aos outros que, pelos vistos, pouco querem comprar. Um livro, um CD, um DVD, um concerto ou uma peça de teatro são artigos culturais, indubitavelmente. Mas são também produtos de consumo que exigem gente que os saiba vender. E não um lírico como eu que, em vez de estar a telefonar para mais uma empresa de recrutamento ou a pintar o novo cartaz e descer com ele para o centro da cidade, está a escrever crónicas sobre o assunto.
É um problema: reflectir ajuda, mas faz-nos perder tempo. Nas indústrias criativas, então, é por demais. Muito se reflecte acerca da entrada em cena da personagem mais secundária daquela peça do Harold Pinter. Mas agir para tentar vender os bilhetes, isso já é mais complicado. Não admira que os teatros estejam vazios. As pessoas sentam-se à boca de cena à espera que encham devido à divina providência.
O que está muito mal. Não vale a pena pedir a Deus Nosso Senhor para encher teatros ou vender livros. É preciso é um bom assessor comercial que o queira fazer connosco. O que não impede, claro está, de colocar em prática a minha última e derradeira ideia, caso esta crónica não possibilite o recrutamento: pedir ao padre Horácio para poder oferecer emprego no fim da homília da missa das 10h30. Oferecer. Ofereço e pago. Dou e ofereço. Alguém com uma cabeça exceliana quer reflectir sobre o último romance do António Lobo Antunes?
(*) Jorge Reis-Sá nasceu em 1977 em Vila Nova de Famalicão.
Jorge Reis-Sá é responsável pelas editoras Quasi Edições e Editorial Magnólia, inseridas na empresa Do Impensável – Projecto de Atitudes Culturais, que também dirige.
Editou livros de poemas, o romance Todos os Dias [Publicações Dom Quixote, 2006, com edição no Brasil na Editora Record em 2007], os contos Terra [Sextante Editora, 2007] e o divertimento O Dom [Editorial Magnólia, 2007]. Organizou diversas antologias, entre as quais Anos 90 e Agora – Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa e colabora frequentemente com a imprensa.
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