sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Opinião: Crónica com livros, por Jorge Colaço

CRÓNICA COM LIVROS (*),
por Jorge Colaço

Sempre que entro numa livraria, verifico quase por sistema duas coisas. A primeira, é o lugar e a composição da secção de poesia, assim reconfirmando, de cada vez, o facto de vivermos, sem remissão, «anos de prosa». A prosa, essa, inunda as bancas e os lugares de destaque, numa profusão de títulos, cuja principal característica é, de alguma forma, soarem todos ao mesmo. Essa música indistinta é acentuada visualmente pelo facto de as capas se parecerem assustadoramente umas com as outras.

Ao que parece, a explicação é de natureza «comercial». Seguir a concorrência, e não diferenciar-se dela, parece ser a política comercial de um bom número de editores. Simplesmente, torna-se claro que, até dada a celebrada exiguidade do mercado, vender sempre o «mesmo» livro ao «mesmo» leitor se torna, em pouco tempo, uma estratégia impossível para a maioria.

Mas como se chega a esta situação? Parece intocável a opção editorial de produzir livros que se vendam (e não vou discutir aqui este aspecto). No entanto, para isso, é preciso saber, antes de mais, a quem se vão vender. Tal tarefa, como muitas outras, não deve assentar apenas na impiedosa percepção particular de amadores que «acham que é assim».

Identificados, seriamente, os potenciais leitores/compradores, talvez fosse bom perceber quais os outros editores a trabalhar na mesma área. Perceber quem são, o que editam, como editam. Para, a partir daí, começar a delinear modos de diferenciação.

Seria muito útil assumir (autores e editores) com clareza a distinção entre «ficção popular» (distinção usada explícita e implicitamente na tradição anglo-saxónica) e «literatura», o que, obviamente, implicaria ter consciência dessa diferença, para evitar vender Crime e Castigo com uma capa feita na base de uma fotografia comprada num banco de imagens (o sector comercial sugerirá certamente algum sangue, um rosto mortal em fundo e, se houver possibilidade, um vestígio de carne feminina; e, para o marketing, o ideal seria, dados os tempos que se vivem, alterar ligeiramente o título para Crime sem Castigo...) e colocá-lo em relevo, dourado e com verniz localizado.

Por outro lado, interiorizar este tipo de distinções, para além de uma importante função informativa, impediria, pelo menos, os autores light de concorrerem directamente no escaparate com autores com mais açúcares e gorduras. Sem ofensa para nenhum deles, entenda-se.
Desfeitos aqueles equívocos, alimentados pela ânsia de os livros, vestidos de lantejoulas e saia curta, poderem fazer o trottoir do sucesso de vendas, nem que para isso se tenha de vender na capa do livro o que o livro nem sequer contém, é necessário continuar uma política de diferenciação.

Pondo de lado a diferenciação no plano do que se edita, que levaria a outro tipo de reflexão, é certamente possível fazer alguma coisa no modo como se edita. O prosseguimento de uma dada política editorial, qualquer que ela seja, só poderá beneficiar com o regresso a uma concepção de capas que passe por uma orientação gráfica segura e, no interior desta, pela livre expansão da intuição criativa, capaz de concretizar identidades gráficas que se definam pela recusa dos lugares comuns das pessoas «que acham que tem de ser assim». A capa é o elo mais imediato com o leitor sem informação prévia sobre o livro ou sobre o autor, mas também, não o esqueçamos, um elemento da maior importância para o leitor conhecedor e avisado. Nunca deixou de haver bons exemplos nesta matéria, mesmo em Portugal, mas existem ainda demasiados mal-entendidos, mesmo que escondidos no pretexto universal da redução dos custos. É que há certas coisas que acabam por sair caras.

(*) Jorge Colaço (n. Ferreira do Alentejo, 1956) é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ensinou Português como Língua Estrangeira, exerceu actividade docente no ensino secundário e criou um curso livre de redacção e revisão, do qual foi coordenador e professor. Desempenhou, desde 1992, funções de coordenador editorial da área de Humanidades da Enciclopédia Verbo – Edição Século XXI (29 vols., 1998-2003), para a qual também redigiu dezenas de verbetes. Assumiu funções idênticas em outras obras de referência, nomeadamente nos volumes Annualia. Colaborador de Biblos - Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, tem publicado textos críticos e literários em obras colectivas e revistas.
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