quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A Casa Fernando Pessoa

Editorial
Paulo Ferreira


Luis Graça, num comentário ao post que transcreve excertos da entrevista de Inês Pedrosa ao Público, aponta as potencialidades da Casa Fernando Pessoa (CFP), incluindo a nível afectivo, e da possibilidade de se fazerem coisas sem ou com pouco dinheiro. Não posso estar mais de acordo. Aliás, com o orçamento minúsculo de que a CFP dispõe, não pode ser de outra forma.

Congratulo por isso a CFP, na sua directora, Inês Pedrosa, por estar a reunir apoios para viabilizar alguns projectos, recorrendo a privados como o Grupo LeYa («Temos também um projecto de edição contínua de textos em torno de Fernando Pessoa com o grupo editorial Leya. Estamos a estudar o modelo.»); congratulo a a CFP, na sua directora, Inês Pedrosa, por não dar mostras de estar disposta a baixar os braços face aos constrangimentos financeiros que a instituição que dirige sofre.

As dificuldades financeiras não são de agora e já Francisco José Viegas (FJV) o apontara. Se a atitude de Inês Pedrosa (IP), ao pressionar politicamente a Câmara é correcta, é discutível, mas não a vou discutir. A Casa Fernando Pessoa tem uma herança e é com essa herança que IP, apesar de tudo, está disposta a lidar. A matéria-prima, as ideias e a vontade existem: a Casa tem uma excelente equipa, disposta a abdicar do pagamento de horas extraordinárias para que os eventos decorram after-hours (FJV em entrevista à VISÃO elogiou publicamente os seus colaboradores de então); é uma casa plena de simbolismo e afecto que pode, e deve como está a ser, capitalizado; IP apresentou algumas ideias para o merchandising pessoano, que, como a própria explicou oportunamente, não traria mais verbas para a Casa; afrontou pessoalmente Pinto Ribeiro, desafiando-o a concretizar a sua afirmação de que Pessoa teria mais valor económico que a PT.

A Casa faz parte do património português, é Lisboa, cada vez mais. E para isso estará decerto IP grata ao seu antecessor, pelas bases que deixou. FJV abriu a casa à cidade e aos leitores, através da dinamização de encontros, lançamentos, debates e tertúlias com o livro como protagonista, e que deram variadíssimas vezes páginas de jornais à Casa. As editoras perceberam que tinham ali um espaço nobre para os seus lançamentos e aproveitaram-no. Para alguém que, como eu, tendo nascido em Lisboa, viveu sempre na periferia, foi a descoberta “real” da casa. Mas paralelamente a tudo isto, FJV teve ainda o condão de criar plataformas (gratuitas) de comunicação directa com todos os interessados, através da dinamização do blog Mundo Pessoa – o que alargou os seus públicos, ao mesmo tempo que contribuiu para o aumento do ruído (ruído bom, entenda-se) em volta da Casa; com o prestígio e notoriedade que goza conseguiu também ele reunir alguns patrocínios; que as pessoas olhassem para Casa com outros olhos. Com o seu estilo e empenho pessoal irrepreensível, colocou a Casa na moda, tornando-a um espaço de encontro de leitores, editores e outros profissionais – o que agora será decerto um bom argumento para a obtenção de patrocínios que tanta falta fazem à Casa.

Inês Pedrosa está a colocar a fasquia muito elevada para a Casa, e é por esse cânone que será julgada. O que me parece injusto. A ambição de IP é salutar, bem-vinda e deve ser motivo de regozijo para todos. Na altura em que Inês Pedrosa decidir abandonar a Casa, num hábito que é tão nosso de criticar tudo e todos, não nos devemos esquecer disto.

Paulo Ferreira