«Permito-me prestar hoje uma homenagem a Rogério Mendes de Moura, uma homenagem que de há muito os editores portugueses lhe devem e nunca lhe foi feita.
Maio de 1974. Pouco mais de uma semana após a Revolução do 25 de Abril os sócios do Grémio, que os acolhera durante cerca de 40 anos, pretendem desembaraçar-se dele o mais rapidamente possível. Efectiva e sintomaticamente, é uma das primeiras, senão a primeira, associação patronal a pretender mudar de nome – e quiçá de estilo e de modo de actuação.
Reuniu-se, no salão da Associação Comercial Portuguesa, a Assembleia Geral dos sócios. Enorme concorrência, e ruidosa, presidida por mim, como estatutariamente teria de ser, eleito havia dois anos Presidente da A. G.
Como era hábito na época, a confusão estabeleceu-se ao fim de poucos minutos, imparável, incontrolável. Impropérios e insultos choviam a esmo (o que será feito de uma valentona que dirigia, ou representava, ou falava em nome de uma certa Maria da Fonte Editora, de efémera duração e mais ainda efémera memória?). Uma ou outra voz mais serena tentava fazer-se ouvir – e é também o momento para recordar e agradecer a intervenção do velho (e já falecido) alfarrabista Castro e Silva, talvez o único que conseguiu obter alguma calmaria.
Um após outro, todos os membros dos corpos directivos em exercício se foram demitindo, a começar pelos dois vogais da mesa da Assembleia Geral, deixando-me sozinho. Na parte final da Assembleia, apenas eu e a Presidente do Conselho Fiscal, Margarida Dias Pinheiro, não nos tínhamos demitido. Eu, não só porque toda a vida fui avesso a ceder a situações de violência mas também porque ia bradando, durante muito tempo em vão, que era um perfeito disparate dissolver o Grémio, correndo-se o risco de perder todo o património existente, e o que teria de ser feito era decidir a sua transformação na Associação que se pretendia fazer nascer, para o que alguma autoridade do velho Grémio teria de existir para fazer a passagem. E se não havia mais ninguém, teria de ser eu, e fui eu, embora no momento aqueles exaltados ânimos, pletóricos de entusiasmo revolucionário, nem disso se tivessem apercebido.
Decidida a transformação, começavam as dificuldades. Quem iria dirigir os destinos da nova Associação, até ser possível organizar e realizar eleições? Afortunadamente criou-se uma Comissão de onze membros, dez dos quais animados do maior entusiasmo criador e o décimo primeiro, que iria presidir, já consciente da pesadíssima tarefa que o esperava. Era o Dr. Rogério Mendes de Moura, o qual, aliás, vinha já de presidir à última direcção do Grémio.
E foram dois anos penosos, cansativos, ingratificantes aqueles em que Rogério de Moura aguentou firmente o leme do barco, praticamente só, porque rapidamente se viu abandonado por todos ou quase todos os dez entusiastas daquela noite de Maio de 74.
Não fora a sua perseverança, não fora o seu sentido da responsabilidade, não fora a sua indesmentível dedicação aos interesses da Classe, e os editores e livreiros portugueses não teriam certamente tido a possibilidade de, sem rupturas dramáticas e caríssimas com o passado, elaborar uns estatutos (os possíveis na época), eleger uma direcção em 1976 e continuar uma vida associativa dentro de normas coerentes e estáveis.
É esta a dívida maior de todos nós para com Rogério Mendes de Moura. Digo maior, porque nestes cinquenta anos que ele leva como editor, dívidas quotidianas temos vindo contraindo para com ele, no Grémio e na Associação, originadas pela sua dedicação nunca desmentida, pela sua presença sempre que necessária, pelo seu conselho sempre avisado.
Obrigado, Rogério. “»
Depoimento recolhido para a elaboração de uma brochura comemorativa dos 50 anos da Horizonte, em 2003. Esta brochura foi elaborada pelos funcionários e colaboradores da editora em homenagem a Rogério Mendes de Moura.