sábado, 9 de agosto de 2008

António Lobo Antunes e o que ficará

«Espero que haja sol nesse dia, um arrepio alegre nas árvores. Não se incomodem que eu já venho. Sentir-me-ão nos objectos, que eu já venho. Sentir-me-ão nos objectos, deixarão de sentir-me a pouco e pouco à medida que a saudade se atenua. Continuarei aqui através dos meus livros, na altura em que ninguém conhecido sobrar. Ficam retratos, claro, reflexos pálidos do que fui. Depois nem sequer os retratos, um nome apenas. Páginas e páginas que não imaginarão o que me custaram, a luta permanente, a dificuldade em limpá-las. Tem de passar-se as passas do Algarve para dar prazer ao leitor. Espero que Deus me conceda acabar três ou quatro textos, deixá-los prontos para que outros construam por cima, como eu construi por cima dos que me procederam. Se alguma dignidade de homem tenho deu-me a Arte. Hipócrates: a Arte é longa, a Vida breve, a Experiência enganadora e o juízo difícil. O meu pai tinha isto num rectângulo de papel, no seu gabinete de hospital.»

António Lobo Antunes, Assim, como assim, Visão, nº 802, p. 16.