sexta-feira, 11 de julho de 2008

O discurso de Manuel Alberto Valente na apresentação da DEL-Lisboa (Porto Editora).

«Quero partilhar consigo este momento para mim empolgante em que formalmente inauguro a minha terceira aventura editorial em quase trinta anos.

Pondo de lado pequenas colaborações esporádicas, foi primeiro a D. Quixote, entre 1981 e 1991; depois, durante 17 anos, a ASA – até que a ASA se integrou no grupo LeYa e eu decidi, por coerência com todo o meu passado (e lembrando-me de Régio), que o meu caminho não passava por aí.

Já disse o que tinha a dizer sobre essa ruptura e não é este o lugar nem o momento para reacender fogueiras que o tempo, esse grande escultor, se encarregará de extinguir.

Saí de uma espécie de pesadelo e só não digo que aterrei no paraíso porque todos sabemos que o paraíso, mesmo com livros, não existe.

Mas fui acolhido numa grande casa – a Porto Editora – e por isso não posso deixar de publicamente agradecer ao Eng. Vasco Teixeira por ter acreditado em mim e no projecto que lhe propus, e por me ter propiciado as condições indispensáveis para o levar a bom termo.

Ao criar a Divisão Editorial Literária de Lisboa, a Porto Editora, ao contrário do que em alguns sítios se escreveu, não se propôs iniciar a sua actividade na área da literatura geral. Na verdade, desde 2006, sob a direcção da minha colega Cláudia Gomes, aqui presente, vinha sendo publicado um conjunto de obras relevantes, de que me permito destacar, a título de exemplo, o romance A Herança do Vazio, de Kiran Desai, que obteve em 2006 o Booker Prize.

Não vou, portanto, iniciar nada. Vou juntar o meu esforço, os meus conhecimentos, a minha criatividade ao trabalho daquelas e daqueles que já estavam antes no terreno.

A partir de agora, a Porto Editora terá duas divisões editoriais não escolares: a DEL-P,Divisão Editorial Literária do Porto, e a DEL-L, Divisão Editorial Literária de Lisboa. Duas divisões autónomas, com programas próprios, mas apoiadas nessa máquina poderosa, profissional e de excelência que é o Grupo Porto Editora.

Através dos meus colegas aqui presentes – a Cláudia Gomes e o Paulo Gonçalves –, eu queria, aliás, dirigir uma palavra de saudação a todos os elos dessa máquina que com a sua contribuição abnegada tornam possível que, a partir do próximo Setembro, os livros de que sou responsável comecem a chegar às livrarias e aos leitores.

A cada um de vós quero dirigir também uma palavra de agradecimento.Muitos dos que aqui estão acompanham já há anos o meu trabalho de editor. Sabem como prezo a comunicação social e como entendo que, sem ela, é muito difícil levar o livro ao seu destinatário último, o leitor. Permito-me pois pedir-vos que acompanhem este projecto, que apoiem este projecto, que o estimulem e critiquem, mas que não o ignorem.

Como já referi noutros lugares, podia ter optado, como outros fizeram, por um projecto pessoal, marcado pelas minhas opções e pelos meus gostos.Mas tentava-me mais cavalgar a onda e colocar-me no centro desta batalha estimulante que a emergência dos grandes grupos vai certamente suscitar.

Tive sempre uma visão democrática da edição e a consciência de que todos têm direito a ler. Não quero escolher para as elites, embora queira que as elites me leiam. Não quero ter a obsessão dos tops, mas ficarei contente se lá estiverem alguns dos livros por mim seleccionados. E, quantos mais livros vender, mais livre estarei para publicar títulos de referência.

Como já disse muitas vezes, não tenho vergonha de publicar o que dá para poder publicar o que não dá – ou aquilo que certamente dá muito menos.

O programa que vos vamos apresentar reflecte isso mesmo. E reflecte também uma aposta empenhada nos autores portugueses, sem os quais qualquer editora fica de certo modo coxa. Queremos publicar autores portugueses e vamos publicar autores portugueses. À confiança daqueles que desde já decidiram seguir-me, ignorando toda a espécie de pressões, tentarei corresponder, tentaremos corresponder, com o profissionalismo e a exigência que cada quadro da Porto Editora coloca em tudo aquilo que faz.

Deixem-me, por fim, dirigir uma palavra de estímulo e de confiança à pequena equipa que vai trabalhar comigo: a Ana Barros, há muitos anos editora principal na ASA, a Ana Luísa Calmeiro, editora adjunta na Caderno, depois de ter passado pela Presença e pela Pergaminho, e a Helena Ramos que, oriunda de outra área de actividade dentro da ASA, chamei há um ano atrás para minha assistente directa, ao constatar o seu amor pelos livros.

Um director editorial é como um chefe de orquestra – se não tiver bons executantes, de nada lhe valerão os seus pergaminhos. Ou como um treinador de futebol – cujas estratégias só vingarão se forem servidas por bons profissionais.

Estamos a viver um tempo difícil para a actividade editorial, sujeita como nunca às pressões do mercado e às imposições dos grandes grupos livreiros. O centro do mundo deixou de ser o autor – como era quando há trinta anos comecei – para passar a ser o leitor, essa massa indefinida que muitas vezes esquece as grandes obras e transforma subprodutos em bestsellers.

É nesse novo paradigma que temos todos de nos situar. Sabendo que uma editora, como qualquer empresa, tem de garantir a sua sustentabilidade e o seu progresso.Mas sabendo também que com o livro podemos ajudar a mudar o mundo – para que ele fique, pelo menos, um bocadinho melhor.

Muito obrigado a todos.


Lisboa, 8 de Julho de 2008


Manuel Alberto Valente»