Jorge Reis-Sá comenta o acordo estabelecido entre a Casa Fernando Pessoa e a LeYa.:
«Ontem liguei a televisão já tarde. A certa altura, o Camané, numa das salas da Casa Fernando Pessoa - ou assim me pareceu - cantava à capela um poema do dono da casa. Ouvi deslumbrado pela largura daquela voz e sorri por ver num dos canais em sinal aberto, durante alguns minutos, a poesia a ser declamada com tanta mestria. Quando terminou o pequeno apontamento, vi as entidades patocinadoras do programa e, qual é o meu espanto quando, entre os símbolos da autarquia lisboeta e o da Casa Fernando Pessoa, surje o da Leya.
Já aqui tinha pensado comentar o protocolo (ou coisa assim) entre a Leya e a Casa Fernando Pessoa. Mas outras coisas acontecem e acabei por não falar dele. Mas é preciso dizer as coisas sem medo das palavras: esse protocolo (ou coisa assim) é vergonhoso tanto para a Casa como para a própria Leya. Claro está que a Leya pode patrocinar os programas de TV que quiser. Mas julgo não estar errado quando afirmo que o símbolo citado decorre desse acordo.
Tenho a maior consideração intelectual pela Inês Pedrosa. Mas isso não pode impedir que digamos do erro que foi a entrada da Leya na Casa. Entendo que as restrições orçamentais sejam muitas, que o dinheiro não chegue nem para limpar as escadas. Mas não posso aceitar que uma editora, concorrente de todas as outras por definição, concorrente da editora que tem vindo a fazer um trabalho exemplar pela obra do Pessoa (a Assírio) tenha uma posição de nítido privilégio numa casa da poesia que se quer de e para todos.
Senão perguntemos: que poesia edita a Leya? A ASA descontinuou a colecção que o José Cruz Santos dirigia; a Dom Quixote edita o Nuno Júdice e o Fernando Pinto do Amaral e pouco mais, na cadência de um livro de poemas cada três meses; a Caminho pouco mais faz. Mais ainda: que poesia do Fernando Pessoa edita a Leya? Vai editar? Anunciou isso quando se soube da parceria com a Casa? Então qual é o interesse da Leya em estar associado 1) a um género literário que não edita porque não tem notória e publicamente interesse comercial nele 2) a um poeta que não consta nem parece vir a constar do seu catálogo?
Tenho pena que a Inês Pedrosa tenha aceite ou proposto esta parceria. Ainda para mais, e isso não é de menor importância (como é o ditado, à mulher de César não basta ser, tem de parecer, não é?), quando é autora da Leya e já fez declarações públicas de que concorda com a sua postura no mercado. Nada contra essas declarações. Mas não acho bem que a Casa Fernando Pessoa fique indexada - porque é disso que se trata - a uma editora cujo interesse na obra do poeta é completamente nulo.
Termino perguntando: onde andam os jornalistas? A Inês Pedrosa é uma figura pública, jornalista, colunista do Expresso. É perigoso criticá-la? Sei bem que pode ficar melindrada com estas minhas palavras, mas também sei que a verdadeira consideração por alguém é aquela que impõe que o critiquemos quando achamos que, enquanto directora de um organismo público, agiu mal.»
quarta-feira, 4 de junho de 2008
O acordo Casa Fernando Pessoa e LeYa (Jorge Reis-Sá)
Postado por Booktailors - Consultores Editoriais às 11:35
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