segunda-feira, 23 de junho de 2008

Demolidor

Jorge Reis-Sá publica um post no seu Rua da Castela, intitulado "O magnífico Prémio LeYa", absolutamente demolidor para o Prémio Leya. Reproduzimos aqui esse post:

«O regulamento do Prémio Leya foi tornado público há alguns meses. No dia 16 deste mês terminaram os prazos para entrega dos trabalhos. Entre a sua publicação e a data a que escrevo não vi ninguém a dizer o que é de mais elementar justiça ser dito: o Prémio Leya é um embuste.

Direi porquê.Há duas razões fortíssimas para a minha afirmação: uma delas de carácter processual; outra de carácter substancial.

A processual: o júri não vai ler os originais. Quando alguém concorre a um prémio que tem como júris Manuel Alegre, Pepetela, José Carlos Seabra Pereira ou Nuno Júdice (e que certamente estão a ser pagos pelo seu trabalho, o que é justo) espera que esse júri leya os originais. Que o dinheiro que recebe seja para mais do que ler relatórios. O que nos informa o regulamento, no entanto, é que serão efectuados por uma comissão nomeada pela Leya relatórios a todas as obras. Dessas, essa comissão escolherá dez que voltará a ler e depois a voltar a efectuar outro relatório.

(Uma nota: não quero por em causa o processo, mas eu confio inteiramente no júri, pessoas cuja honestidade é pública e acima de qualquer suspeita, e sei que nunca abririam um envelope antes de se saber quem é o vencedor sob anonimato. Mas eu não sei quem é a comissão que vai ler os originais, pelo que não posso confiar neles.)

Pela comissão, só esses dez dos originais serão entregues ao júri. Dos restantes serão entregues relatórios. Alguém me explica como é possível fazer um relatório de um livro do Lobo Antunes? Do Saramago? Do Agualusa? Do Pepetela? Da Lídia Jorge? “Bem escrito, com uma trama de difícil compreensão, utilização de imagens muito conseguida, infelizmente só com um ponto final no fim de cada capítulo o que cansa” (Lobo Antunes); “Bem escrito, inovador devido ao uso das vírgulas e da oralidade assim provocada, metáfora das sociedades contemporâneas, há um cão que lambe lágrimas” (Saramago). É possível fazer de um escritor que tem um estilo tão próprio um relatório? Mais: e se a menina ou menino que está a ler não gostar do estilo? Do do Gonçalo M. Tavares, do do José Luís Peixoto, do do Jacinto Lucas Pires. O Nuno Júdice e o Pepetela não têm acesso ao livro que está “relatado”? Podem pedi-lo, pelos vistos, mas se aceitarem as recomendações da comissão, nem se darão ao trabalho de pedir o livro para lerem. Acho inadmíssivel tal coisa. Seja para os autores que concorrem, seja para a entidade que patrocina o prémio, seja para o próprio júri.

A questão substancial: o prémio tem o valor de aproximadamente, digamos, 5 000 euros. Sim, leu bem: 5 000 euros. Mil contos. Nem mais.

Notem a cláusula que institui os valores: 100 000 euros. Mas notem as seguintes: o premiado só receberá direitos de autor depois de vendidos 70 000 exemplares. Interessante, não é? Além de que cede os direitos para exploração (sendo exploração a palavra certa neste contexto) em todos os “suportes que existam ou venham a existir” durante vinte e cinco anos (Vinte e cinco! Um contrato de edição costuma ter 5 ou 10... Enfim...) Ora façamos umas contas: 70 000 vezes 10% de direitos vezes, suponhamos, 15 euros de preço de capa: 105 000 euros. Assim, o prémio é de 5 000 euros. Os outros 100 000 euros não são prémio: são um adiantamento por conta de direitos de autor.

Mas os escritores portugueses agradecem à Leya a instituição do maior Prémio de Adiantamento de Direitos de Autor em toda a área geográfica da língua portuguesa, decidido por um júri que irá ter acesso apenas aos que os meninos e meninas da comissão acharem mais giros. Obrigado, Leya. Obrigado. Mas claro: só concorre quem quer. Valha-nos isso.»