segunda-feira, 14 de abril de 2008

Entrevista: Nélson de Matos

No Jornal Sexta, de 11-04-2008, numa iniciativa conjunta do Público e da Bola, publica uma entrevista a Nelson de Matos, alguns excertos:



"Por aquilo que conhece dos mercados internacionais, a concentração tem consequências na qualidade da literatura que um país consome?

N.M.:Tem, inevitavelmente. Um autor que, por exemplo, tenha um mercado reduzido ou uma área editorial mais limitada, como a ciência ou a filosofia, encontará mais dificuldades. Os grandes grupos não têm condições para fazer uma edição mais artesanal, com mil ou dois mil exemplares, porque não consegue absorver os custos. Portanto, tenderão sempre a editar os best sellers, livros com grandes índices de vendas, necessariamente dirigidos a um público mais largo. Mas que para que isso aconteça os textos também terão que ser mais ligeiros.



Trabalhou com alguns dos grandes autores da actualidade na Dom Quixote. Mantém contacto com eles?

N.M.: Mantenho contacto com muitos. A relação vai ao ponto de eles me terem continuado a mostrar os seus originais antes de os publicarem na Dom Quixote. Continuei a ser para eles o seu editor, a pessoa com quem mantiveram essa relação de proximidade.



As pessoas que hoje detêm as editoras estão mais vocacionadas para o negócio que para a literatura?

N.M.: Da minha geração ainda há alguns editores em Portugal. Mas somos uma geração em extinção. O mundo moderno não se compadece com o vagar que é necessário para construir uma relação com o autor. Hoje os editores nem sequer lêem os textos. Na maior parte dos casos, o título publica-se porque o autor tem um programa de televisão, é jornalista, é político, é tudo menos escritor. As exigências das organizações empresariais que hoje são as editoras já não se compadecem com esta situação. Esse trabalho só pode continuar a ser feito das pequenas iniciativas de edição que têm a figura do editor muito preservada.



Fala de autores que não são escritores. As editoras devem publicar livros apenas com interesse comercial?

N.M.: As editoras actualmente quase só fazem isso. Quando surge algo em que não há certeza de que vai ter vendas, hesitam em publicar. Não tenho nada contra isso. Um colega dizia. Um colega dizia: É preciso publicar o que dá para poder publicar o que não dá. E é muito verdade. O que se tem de fazer é não misturar as águas, não enganar os leitores. Trabalhar com cuidado e seriedade. Não se pode, por exemplo, publicar a Carolina Salgado ao lado de José Cardoso Pires.



A sua presença nas grandes feiras do livro internacionais é habitual. Falta a Portugal uma grande feira?

N.M.: Falta-nos tanta coisa...(risos) Claro que também nos falta uma grande feira, mas acho que essencialmente nos faltam leitores. Temos que continuar a fazer o esforço que está a ser feito com o alargamento da rede de bibliotecas públicas e com o Plano Nacional de Leitura. Há que tentar introduzir hábitos desde cedo, explicar às pessoas que a leitura se aprende como andar de bicicleta.



Na década de 60 chegou a escrever livros. Pensa voltar a fazê-lo?

N.M.: Quando vim para a edição pus o escritor entre parêteses. A edição mata o escritor, coloca--o lá atrás. Não digo que não me ocorrem ideias e que não sinta vontade de as escrever mas, como disse, não pode ser-se escritor só de vez em quando. "