«O Amor nos Tempos de Cólera é um filme que poderá de servir de sintoma da importância desse combate ecológico. Há muito tempo não se via um objecto de cinema (?) que, de forma tão preguiçosa e acomodada, se submetesse às convenções mais simplistas do espaço telenovelesco. Da prosa de Gabriel García Márquez apenas resta aquilo que, por definição, é secundário na riqueza literária de um romance. A saber: o fio das peripécias. A partir daí, tudo se torna pitoresco e decorativo, com os pobres actores a falarem um inglês "espanholado" para nos tentarem convencer da verosimilhança histórica dos ambientes. Este é um daqueles filmes em que, não havendo ideias narrativas consistentes, tudo se "cola" com vozes off mais ou menos "informativas", ao mesmo tempo que se sujeitam os actores a mudar de cabeleira ou bigode para garantir a ilusão gratuita do seu envelhecimento.
Na verdade, importa lembrar algo de muito sereno: a grande tradição romanesca do cinema, essa que vai de E Tudo o Vento Levou (1939) a O Paciente Inglês (1996), nada tem a ver com estes exercícios televisivos que se servem da literatura apenas como caução para a sua medíocre estética televisiva. Dir-se-á que um filme destes pode trazer novos leitores para a grande literatura. Provavelmente, sim. Mas, ainda aí, vale a pena discutir o assunto no plano da difusão cultural e perguntar: não será esta uma via restritiva e, em última instância, equívoca de entendimento do trabalho literário? Tenho consciência que a minha resposta é culturalmente minoritária, mas é uma resposta afirmativa.»
Retirado daqui, via Companhia dos Animais.