segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O sector português, por Joel Neto

Alguns excertos do artigo de opinião "www.nahapachorra.com", de Joel Neto, na revista NS, do Diário de Notícias do dia 19.01.2008, p. 70.


«Se o que angustia Lobo Antunes é deixar de haver lugar a seu lado para os manuais de astrologia de Paulo Cardoso, as memórias pasarosas de Carlos Castro ou as denúncias de Carolina Salgado sobre a actividade intestinal de Pinto da Costa, com os quais conviveu tão bem até aqui, posso desde já descansá-lo: todos eles hão-de continuar no catálogo. Se o que quer é apenas mais mimos, descanso-o também: basta pedi-los aos novos editores, que eles nem por um momento lhos regatearão.

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Para muitos escritores, a entrada em cena de Paes do Amaral, e a par deste do Explorer Investments e do Direct Group, é o princípio do fim. Não mais a literatura portuguesa será com dantes, reclamam. E, no entanto, é tolice. Que grandes grupos empresariais se interessem pelo mercado literário português só quer dizer que Portugal tem agora um mercado literário, coisa que antes não existia.

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Já os autores marginais, deixarão de ter de lutar por migalhas de atenção por parte dos editores. Falo dos editores grandes e falo dos editores pequenos, note-se. Porque, a partir daqui, as pequenas editoras vão poder dedicar-se aos nichos de mercado, desistindo em vez de passar o tempo à procura da nova Margarida Rebelo Pinto, do novo Dan Brown e do novo Lobo Antunes, à semelhança do que fazem as grandes. Vão passar a ser editoras, em vez de fábricas de sabonetes que um dia sonharam ser editoras mas tiveram de desistir de ser editoras proque todas as outras haviam virado fábricas de sabonetes.

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Paes do Amaral disse que detestava ler, o presidente do Direct Group vendia lixívias, o Explorer Investments quer ganhar dinheiro depressa e passar a outro ramo. Aceitemos que é assim: tudo medíocre, tudo estúpido, tudo aparências e mais nada. Mas uma coisa vos garanto: não há autor que não tenha nunca sonhado ser um 'best-seller' - e não há autor que não vá agora querer fazer parte da Leya ou de uma das suas concorrentes.

Quanto aos editores tradicionais, não choremos por eles. Venderam os seus negócios, ganharam um monte de dinheiro e hão-de abrir novos negócios. A seguir voltam a vendê-los, a ganhar um monte de dinheiro e a abrir outros ainda. Com eles, estarão os autores. E, se em algum momento estes se esquecerem do nome da pessoa que os edita, a culpa é apenas sua.»