quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

João Pereira Coutinho e a concentração editorial

João Pereira Coutinho, na sua habitual crónica do 1º caderno no Expresso (05.01.2008), escreveu sobre a concentração editorial.


Feliz 1968!
O mundo entrou em 2008 mas portugal continua a viver em 1968. Bastou seguir a histeria editorial dos últimos dias para contemplar o nosso atraso de quatro décadas. Caso não tenham reparado, Miguel Paes do Amaral, depois da Texto, da Caminho, da Asa e de alguns estaleiros menores, prepara-se para 'assaltar' a Dom Quixote. Digo 'assaltar' porque a reacção dos nossos escritores não permite outro termo. A 'escritora' Lídia Jorge, por exemplo, ainda não conhece os desígnios do senhor, que até podem passar por uma editora profissional e competitiva, como acontece no Primeiro Mundo. Mas sendo Paes do Amaral um homem 'endinheirado', os intentos dele só podem ser os piores. 'É a lógica do mundo empresarial', afirma Lídia Jorge com jovial repugnância. Para Lídia Jorge, 'dinheiro' e 'literatura' não jogam na mesma equipa, uma teoria assaz bizarra para quem vive em 2008 e consulta os catálogos da Macmillan, ou da Random House.

Mas realmente brutais são as palavras de António Lobo Antunes, que saiu da sua caverna em Benfica para avisar: se Paes do Amaral não respeitar a 'linha editorial' da Dom Quixote, não há mais livros de Lobo Antunes em Portugal. Verdade que, de seis em seis meses, o eterno Nobel ameaça abandonar-nos, uma crueldade intolerável que lança o pânico nas ruas. Temo, porém, que Lobo Antunes tenha alguma razão neste capítulo: uma casa que publicou 'Eu, Carolina', obra pungente de Carolina Salgado sobre as alegadas flatulências de Pinto da Costa, não deve abastardar a sua 'linha editorial' às mãos de um capitalista qualquer.

Artigo reproduzido sob gentil cedência do autor.