sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Entrevista: Maria do Rosário Pedreira, Quidnovi

Maria do Rosário Pedreira, autora e editora. Editor, no sentido anglo-saxónico do termo. Numa entrevista realizada por e-mail, Maria do Rosário Pedreira fala-nos de edição, do que é ser editor, da Quidnovi, de dois livros recusados a “um autor bastante apreciado nos tempos que correm“…


1. A Maria do Rosário Pedreira é muitas vezes apontada como uma das poucas editoras (no sentido anglo-saxónico do termo) no nosso sector. De que forma tenta conjugar o processo de melhoria de um original com a receptividade do mesmo junto do público-leitor?
O leitor tem de estar, obviamente, no nosso horizonte sempre que seleccionamos um título para publicação; em todo o caso, não me atreveria a tentar moldar um original ao gosto dos leitores nem acho que isso faça qualquer sentido; seria melhor encomendar livros de raiz...

As orientações que dou aos autores é sempre no sentido de tornarem certas passagens mais inteligíveis, cortarem excertos que não adiantam (e às vezes atrasam) para a economia da história, escreverem outros que justifiquem coisas que estão nas suas cabeças, mas, infelizmente não passaram para o papel; e, eventualmente, substituírem algumas palavras ou expressões que considero de gosto duvidoso. Quando muito, mas raramente, proponho soluções para partes da história que penso não estarem bem resolvidas, mas os autores têm sempre as suas ideias (e geralmente melhores do que as minhas). Penso que o leitor sai mais bem servido com estas «correcções», até porque o que tento fazer é portar-me como a primeira leitora do texto. Mas, sinceramente, não é especificamente no leitor que estou a pensar quando faço sugestões a um autor; estou a pensar em primeiro lugar num texto que, se calhar, nem seria publicado se ficasse como está, e em segundo lugar no autor, que tem de construir uma carreira num mundo altamente competitivo.

2. Como analisa a dicotomia Editor/Publisher?
É uma dicotomia? Nunca dei por isso. Eu faço de Publisher e de Editor ao mesmo tempo e nenhuma das funções limita a outra: escolho os títulos e faço o «editing» dos que necessitam dele. Claro que hoje a diferença pode ser enorme entre as duas funções, uma vez que um «editor» tem sempre de ser alguém que leu muito e, desde que a edição se tornou uma indústria, há muitos «publishers» que não lêem uma linha…

3. Que características considera essenciais a um editor?
Ter lido muito e continuar a gostar muito de ler (digo isto, porque ao fim de muitas más leituras, corremos o risco de perder o gosto); ter uma cultura geral que lhe permita avaliar os originais que recebe ou conhecer as pessoas certas para o ajudarem nessa tarefa; ter faro para perceber os livros que interessam ao público e os que, mesmo sendo bons, nunca sairão de uma prateleira da livraria; ser cordato nas suas relações com os autores (para os quais às vezes é precisa uma enorme paciência); ter sempre presente a existência do público leitor e não confundir os seus gostos pessoais com os desse público; ter a noção de que um livro tem sempre de ser algo que enriqueça, e nunca algo que estupidifique e manipule; ter a noção do valor do dinheiro (sobretudo quando se trabalha para outrem) e não o gastar superfluamente.

4. Como é que a autora Maria do Rosário Pedreira convive com a editora Maria do Rosário Pedreira?
A Maria do Rosário autora é ligeiramente (se não grandemente) lesada pela Maria do Rosário editora; em primeiro lugar, em tempo; depois, porque um editor é muito mais crítico em relação ao que se escreve do que uma pessoa normal. Mas, uma vez que quem ganha um ordenado e o leva para casa é a editora, a autora resume-se à sua insignificância na maioria do tempo e «brilha» quando pode.

5. De que metodologias faz uso para pesquisa dos títulos que publica?
Consulta regular de sites e newsletters de editores; consulta de catálogos e listas enviados pelos mesmos (por e-mail ou correio normal); leitura de imprensa estrangeira com suplementos literários de relevância e revistas literárias; correspondência regular e reuniões com editores e agentes em feiras internacionais.

6. O que a atrai no projecto QuidNovi, depois de alguns anos na Temas e Debates a dirigir a colecção Lusografias, da qual saíram autores como José Luis Peixoto, valter hugo mãe ou Miguel Real?
Exactamente o mesmo que me atraiu sempre: a possibilidade de construir um catálogo de qualidade de literatura portuguesa. (Mas o Miguel Real já tinha publicado livros bastante antes de eu estar na Temas e Debates.) A maioria dos autores que publiquei na Temas e Debates acompanhou-me para a QuidNovi, pelo que «a luta continua».

7. A QuidNovi é composta por diversas marcas, sendo que é conhecida a grande apetência para produção de conteúdos próprios. De que forma esta característica se relaciona com a Quidnovi 3 que gere editorialmente?
Geralmente, há conteúdos da empresa-mãe que são «recozinhados» com vista a um público diferente, o de livraria, e isso ajuda a compor um catálogo, sobretudo na área do livro ilustrado ou de referência. Mas a verdade é que as empresas são diferentes e, embora por vezes possamos ser chamados a dar uma opinião, não interferimos nos projectos que não são de livraria. E, como os escritórios funcionam em cidades diferentes, não há de facto uma grande «comunhão»: muitas vezes, acontece-me ver determinada obra ser vendida com um jornal e só depois reparo que foi feita pela QuidNovi…

8. Resuma-nos numa frase o que pretende que o catálogo da Quidnovi seja daqui a 5 anos?
Penso mais no dia de amanhã do que no que se vai passar daqui a cinco anos. Mas o que desejo acima de tudo é que, com tantas mudanças no sector editorial, possamos apesar de tudo continuar a publicar ficção portuguesa de qualidade, a ganhar prémios com ela (até aqui temos tido prémios todos os anos) e, obviamente, a ganhar dinheiro com isso. Queremos ser uma editora de autores portugueses em várias áreas.

9. «Queremos formar as pessoas, não queremos publicar coisas que apenas vendem, mas não deixam nada cá dentro". Disse-o na revista Os Meus Livros , de Abril de 2005. Continua a perseguir este objectivo?
Evidentemente. Acho que se podem publicar coisas bastante acessíveis sem serem estúpidas. E, por isso, embora a média dos leitores de hoje seja bastante mais baixa do que quando comecei na edição há vinte e um anos, não há razão para tratarmos os leitores como gente estúpida. Devemos, pelo contrário, contribuir para os ilustrar, formar, informar, aumentar a sua cultura. Se fizermos o contrário do que hoje faz a televisão, teremos certamente atingido os nossos objectivos.

10. A Rede Nacional de Bibliotecas Públicas conta já com mais de 300 unidades. Qual a importância destas instituições para a o sector do livro a curto, médio e longo prazo?
Uma vez que não trabalho na área comercial (ela funciona em Matosinhos e, à excepção do contacto com os promotores que trabalham em Lisboa, não estou completamente a par das relações comerciais), dou uma resposta quase por intuição: penso que, à semelhança do que se passa em Espanha, onde uma fatia importante das tiragens totais se destina às bibliotecas públicas, podem estas bibliotecas ser um cliente extremamente interessante para os editores no futuro; ao mesmo tempo, nos meios mais desprovidos de livrarias, estas bibliotecas podem ser responsáveis pela formação de leitores, pela constituição de um público absolutamente necessário à sobrevivência das editoras.

11. Arrepende-se de ter recusado algum original? Se sim, qual.
Não, não me arrependo de ter recusado nenhum original. Fi-lo sempre em consciência e até já recusei dois livros de um autor bastante apreciado nos tempos que correm (mas que achei de fraca qualidade e, aliás, ainda não vi publicados por mais ninguém).