sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

África em papel

Hoje, no Diário Digital (11h43), um artigo da agência Lusa com o título "As editoras livreiras portuguesas estão a apostar em África."

As editoras livreiras portuguesas estão a apostar em África, colocando no mercado títulos de ficção e não-ficção de temática africana, disseram à Lusa profissionais do sector.

Tony Tcheka, pseudónimo literário do poeta e jornalista guineense António Soares Lopes radicado em Portugal, interpreta a edição de títulos de temática africana como reflexo de «políticas editoriais».

«Não há uma tradição de escritores portugueses a escrever sobre África. Tem havido, aqui e ali, mais edições que versam questões diferentes de África, mas não acho que tenham grande valor representativo na orientação do mercado. São mais as políticas editoriais», disse.

«O mercado não está devidamente abastecido de livros dentro dessa temática, mas ultimamente têm acontecido alguns casos de escritores português com alguma sensibilidade para questões africanas», acrescentou.

Baptista Lopes, presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), reconhece que não há informação estatística que permita fazer a leitura da aposta na temática africana, mas deixa tudo em aberto.

«Não temos - admitiu - uma informação estatística que permita chegar a essa conclusão, mas há duas ou três notas que parecem apontar para isso: o facto de nós portugueses termos sido potência colonizadora em África, a recente realização em Lisboa da II Cimeira UE/África - com a presença de líderes políticos africanos - e o facto de alguma edição estar relacionada com a guerra colonial».

«África exerce um fascínio nas pessoas que lá viveram. Com a descolonização vieram cerca de meio milhão de pessoas (para Portugal) e a isto a actividade editorial não é alheia», observou.

Anualmente são editados entre 14 mil e 15 mil títulos em Portugal, e, para Baptista Lopes, estes números devem ser interpretados numa dupla perspectiva.

«Temos de olhar para o mercado numa dupla perspectiva: a do consumidor e a do produtor. Só se publica porque há quem produza, quem cria, e esse é um aspecto que deve ser considerado, depois temos um mercado exíguo, no que diz respeito ao consumo propriamente dito», destacou.

«Os editores são essencialmente mediadores e vivem de dar forma a essa criatividade», disse.

É ainda Tony Tcheka quem situa esta opção editorial: «O êxito editorial de Miguel Sousa Tavares, por exemplo, pode levar as editoras a reforçar a aposta em livros sobre o tema», afirmou, referindo-se ao êxito de vendas do romance «Equador».

Mas poderá falar-se de coincidência temporal quando se registam sucessivas edições de livros de ficção e não-ficção relacionados com África ou as políticas editoriais assentam no facto de já se terem passado mais de 30 anos sobre as independências das ex-colónias portuguesas em África?

Para Tony Tcheka, existem «razões históricas e culturais». «Se algum fantasma houve, já teve tempo para ser exorcizado», considerou.

«O que é de lamentar é que não haja mais, uma vez que há um percurso comum percorrido. A melhor forma dos povos se conhecerem é através da literatura», defendeu.

Andreia Peniche, coordenadora editorial da Afrontamento, refere que a sua editora continua a prosseguir os objectivos de quando foi criada em 1963.

«Hoje em dia continuamos a publicar muito sobre África, porque houve a estabilização histórica e um dos nossos eixos centrais das nossas edições são as ciências sociais e nesse sentido a nossa história recente passa evidentemente por África», salientou.

Quanto à existência de mais títulos editados sobre África, Andreia Peniche reconhece a tendência.

«Creio que sim - disse - Acho que neste momento África não é só um exorcismo do passado. A nossa história recente, e há uma parte trágica, passa por África, mas porque África é também já um tema de ficção portuguesa, que se expandiu a outra áreas da escrita», como os trabalhos resultantes de investigações no domínio das Ciências Sociais.

Na Editorial Caminho, Esmeralda Silva, responsável das relações com a comunicação social, lamenta que os autores do seu catálogo não tenham obras para editar, porquanto o mercado, nota, passou a ter recentemente mais títulos de temática africana.

A prazo, anunciou, a Caminho vai editar novas obras do moçambicano Mia Couto, que «está a escrever um romance, que sairá em 2008», e do angolano Luandino Vieira, que em 2006 publicou o primeiro volume da trilogia que está a preparar, denominada «De Velhos Rios e Guerrilheiros».

Duarte Azinheira, relações públicas da Assírio & Alvim, reconhece que, embora a temática não faça parte da política da sua editora, «há mais títulos sobre o assunto nas livrarias».

Carlos Vale Ferraz, pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes, oficial do exército que cumpriu comissões durante a guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné nas tropas especiais «Comandos», e que lançou quinta-feira em Lisboa o seu sétimo romance, intitulado «Fala-me de África», concorda que actualmente se publicam mais livros de e sobre África.

«Há uma nova geração de escritores que passou por essa experiência (guerra colonial), uns ainda enquanto jovens e outros mais jovens ainda como viajantes do mundo e que foram a África», assinalou.

A opção pelo tema África não tem a ver com qualquer tipo de ajuste de contas com a História.

«Não tem nada a ver com traumas que eu penso, aliás, nunca existiram muito aqui em Portugal - há determinadas elites que têm -, mas de resto hoje em dia as pessoas estão a escrever à vontade, contam todo o tipo de histórias que passam por África e há uma nova geração que fala e conta histórias à volta disso», vincou.

A tendência de livros de temática africana «assaltarem» as livrarias coincide com a criação da primeira Biblioteca Portuguesa de Estudos Africanos, que pretende divulgar a realidade de todos os países de África e não apenas dos lusófonos, apresentada oficialmente sexta-feira em Lisboa, num encontro internacional de especialistas em assuntos africanos.

A Biblioteca Portuguesa de Estudos Africanos vai funcionar nas instalações do Centro de Estudos Africanos-Instituto de Ciências do Trabalho e da Empresa (CEA-ISCTE).

Diário Digital / Lusa