sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Entrevista: Pedro Bernardo, Edições 70

Numa entrevista realizada por e-mail, Pedro Bernardo - editor das Edições 70, fala-nos da editora que é (um)a referência nas ciências sociais e humanas. Explicita-nos o ADN da editora, as principais vantagens na ligação com o grupo Almedina, de que valências e ferramentas faz uso para construir o cátalogo. Discute-se o futuro e a blogosfera.


Como pretendem as Edições 70 posicionar-se face ao mercado?
Embora com um ritmo de produção reduzido (cerca de 30 novos títulos por ano, mas um fundo muito activo), Edições 70 pretende ser uma casa de referência nos segmentos de publicação em que se tem vindo a especializar há mais de 30 anos – essencialmente, história, filosofia, antropologia e diversa produção ensaística sobre várias formas artísticas: estética, pintura, arquitectura, música. Onde o cliente/leitor saiba que, nas várias colecções temáticas que compõem o catálogo, poderá encontrar textos importantes, em traduções de qualidade, caso sejam originais em língua estrangeira.

Quais as áreas fortes de actuação das Edições 70 e quais lhe parecem ser os principais trunfos da editora nestas áreas?
Eu diria que a história e a filosofia e a colecção «Arte & Comunicação» (como curiosidade, e para se ter uma ideia do impacto desta última, a FNAC tem uma secção de exposição com esta designação, o que significa que a colecção conseguiu uma notoriedade invulgar, a que não será alheia a qualidade das suas propostas: Umberto Eco, Kandinsky, Bruno Munari, Leonardo Benevolo, Kevin Lynch, entre outros – ou seja, arte, design, arquitectura, urbanismo, numa interdisciplinaridade hoje pouco comum). Há, também, um grande reconhecimento da editora na área da antropologia, devido à colecção «Perspectivas do Homem», uma referência na área, pela diversidade e qualidade dos autores que a integram; não tendo hoje a pujança que a caracterizou nos anos 70 e 80, publica actualmente cerca de um título por ano. Como trunfos, referiria a notoriedade que a Editora conseguiu ao longo de mais de três décadas de publicação e o imenso lote de autores que ajudou a divulgar. A estruturação do catálogo em colecções permite, também, que o leitor identifique determinada colecção com um tema, ou uma disciplina; a médio e longo prazo, a colecção apresenta-se como uma súmula do que mais importante se publicou sobre determinada área.

As Edições 70 são parte integrante do Grupo Almedina? Quais são as principais vantagens desta aquisição?
Essencialmente, em 5 aspectos:
1. A integração no Grupo Almedina permitiu-nos beneficiar das hoje célebres economias de escala (a parte administrativa, logística e financeira foi concentrada em Coimbra, onde o Grupo está sedeado), libertando recursos para outras áreas.

2. Acesso privilegiado a uma rede de retalho própria a nível nacional, pois o Grupo Almedina não se restringe à área editorial: tem várias livrarias no país: Lisboa, Coimbra, Porto, Braga e Matosinhos.

3. Permitiu o acesso a recursos que nos permitem ponderar projectos de outra envergadura e fôlego financeiro.

4. A integração numa estrutura completamente informatizada, com a gestão profissionalizada, e com a vertente de comércio electrónico bem sedimentada, o que é essencial num catálogo como o de Edições 70.

5. Partilha de uma estrutura comercial que o Grupo tem no Brasil, e que permitirá uma maior divulgação da Editora no mercado brasileiro.

As Edições 70 fizeram um refresh muito forte do seu conceito gráfico. Quais foram os objectivos subjacentes a esta mudança?
O design das capas da Editora estava a ficar algo datado, e há já algum tempo que equacionávamos a mudança. Dito isto, pretendia-se uma imagem gráfica sóbria, mas actual. O processo foi confiado à FBA, que tem feito um trabalho excelente (e que, estou em crer, terá ainda mais frutos a médio prazo, ao criar uma marca/imagem de tremendo reconhecimento gráfico); aliás, para melhor se perceber, permitam-me citar as palavras do designer que coordenou a equipa que reformulou o conceito gráfico de Edições 70: «As intenções de simplificação e clarificação da marca acompanharam todo o projecto de design, procurando corresponder à nova planificação das colecções e ao novo posicionamento da editora.
Tal como na marca, o design das edições é determinado por uma intenção de clarificação e de procura de uma imagem elegante e distinta. Esta opção determinou que o design da editora procurasse a valorização do catálogo, através de uma cuidada selecção de imagens e de um pequeno número de fontes tipográficas que lhe conferissem identidade e singularidade.»

O novo conceito gráfico das Edições 70 trouxe mais leitores?
Estamos em crer que sim. Embora tenhamos confiança nos nossos conteúdos, o que é certo é que a exposição dos livros também obedece a critérios de apelo visual das suas capas; fruto desta nova imagem gráfica, e de um trabalho redobrado da nossa equipa comercial, as nossas obras passaram a ter maior visibilidade de exposição. Parte do trabalho no ano imediato após a aquisição consistiu em divulgar a nova imagem junto dos livreiros e, consequentemente, do público.

Que podemos esperar das Edições 70 para o futuro?
Pretendemos manter a nossa linha editorial, reforçando a aposta na qualidade dos conteúdos, no rigor das traduções, e na publicação de obras fundamentais nas nossas áreas de eleição; mas pretendemos também abrir a paleta de temas de publicação, embora em áreas que se coadunem com o espírito do nosso catálogo, como, por exemplo, na teoria política, mas não só.

O perfil de leitor das 70, pela essência do catálogo, será um leitor com uma cultura acima da média, e com forte critério na selecção dos títulos. De que forma se prepara as Edições 70 para não defraudar as expectativas de um cliente tão exigente?
No espírito da resposta anterior, há que conciliar uma boa imagem gráfica com clareza na concepção gráfica do conteúdo, rigor na selecção de títulos e na qualidade dos textos, leia-se traduções (pois a esmagadora maioria do nosso catálogo é composta por traduções). Infelizmente, a possibilidade do erro é uma espada de Dâmocles, que pode deitar a perder todo o trabalho anterior, mas os reparos que os nossos leitores nos fazem também contribuem para melhorarmos: a qualidade da edição também se faz com leitores exigentes.

As Edições 70 têm uma colecção intitulada História Narrativa. Quer explicar-nos um pouco melhor esta definição? Trata-se de uma plataforma de lançamento para o lançamento de obras na área da ficção?
Uma das colecções emblemáticas da Editora é uma colecção de história intitulada «Lugar da História», que inclui, entre outros, os principais autores da escola dos Annales, os grandes classicistas e autores reputadíssimos na sua área; contudo, a sua abordagem é essencialmente académica (e nesse sentido foi um sucesso, que ainda perdura); a determinada altura, sentimos a necessidade de alargar o género a um tipo de historiografia mais popular, na acepção mais nobre da palavra e do género, e de divulgação, e isto reflecte-se também, mas não só, num texto estruturado de outra forma e com outra linguagem: foi este o espírito que presidiu à concepção da colecção. Com o tempo, e por força dos títulos escolhidos, a colecção tem vindo a pender essencialmente para a história contemporânea. É claro que a determinada altura o editor se confronta com um título que lhe deixa dúvidas e que poderia integrar uma colecção ou outra; mas esse é um risco inerente a ter várias colecções na mesma área. Mas, voltando à pergunta, não é uma forma de entrarmos na ficção: não está nos horizontes de Edições 70 publicar ficção.

De que ferramentas faz uso para a selecção dos títulos que publica?
A tradicional análise de catálogos de editoras estrangeiras ainda é importante, embora a versão digital tenha em alguns casos substituído a versão impressa. Outra fonte importante – dada a estrutura do catálogo e as áreas em que publicamos – são as bibliografias, seja de cursos universitários ou em obras que o cargo exige que leia; mas também de leituras cruzadas (livros, internet, revistas e jornais), consultas diversas, e, igualmente importante, de sugestões de publicação: temos uma rede de colaboradores que nos vai sugerindo títulos. Publica-se hoje uma quantidade de títulos tal que para um editor é fisicamente impossível estar a par de tudo: por isso, e nas palavras do Carlos Araújo, ele torna-se um «especialista em ideias gerais»; logo, há que ser bem aconselhado. Aliás, uma das colecções, «A Construção do Olhar», é dirigida pelo José Carlos Abrantes.

Recentemente, as Edições 70 lançaram uma obra do Professor Rogério Santos, que partiu de um blog – o Indústrias Culturais. Considera que a blogosfera poderá ser um bom centro de incubação de autores e obras?
Embora não acompanhe a blogosfera com a atenção que gostaria, estaria tentado a dizer que não, mas isto apenas no caso concreto do nosso catálogo, pois publicamos maioritariamente obras de cariz académico, e a blogosfera pende mais para o imediato, para a reflexão e comentário. No caso concreto do Indústrias Culturais, para além da compilação dos vários textos publicados no blogue ao longo dos anos, o que também nos seduziu – a mim e ao director da colecção em que a obra se integra, o José Carlos Abrantes – foi a componente de explanação teórica que constitui a primeira parte do livro, que faz com a obra passe para um outro patamar, neste caso uma espécie de manual, com exemplos concretos, das indústrias que a obra aborda.