quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Byblos

Hoje, na Visão, páginas 142 e 144, um artigo sobre a abertura da loja Byblos, com o título "Vou realizar mais um sonho", citação de Américo Areal. Um trabalho de Cesaltina Pinto.

«Américo Areal chegou a casa e confessou à mulher: «Tive uma proposta aliciante de compra da editora.» «Quer respondeste?» «Que não.» A mulher fez cara feia: «Mas nunca foste egoísta na vida! Porque estás a ser agora?» O raciocínio dela era simples: «Quando morreres, vais satisfeito. Fizeste o que quiseste, a vida toda. Mas nem os teus filhos nem eu temos as tuas capacidades para prosseguir com este negócio. Como ficam os teus filhos, se morreres agora?» Américo, 56 anos de vida e 33 de casado, pôs-se a matutar. «Eu, que gaguejo, perdi a fala.» A mensagem da mulher ficou a processar. Muito mais quando, na semana seguinte, se sucederam as propostas.

A do Paes do Amaral revelou-se irrecusável, e o negócio fez-se por muitos milhões de euros (o número exacto ficou em segredo.). A Asa editora saía, pela primeira vez, da família que a fundou. «Era a altura certa para sair», diz Américo Areal, filho do fundador, Américo da Silva Areal. «Já andava com bastante falta de paciência…»

Este descanso-alívio durou pouco. «Era a primeira vez na vida que tinha dinheiro e não tinha empresa. Vi-me reformado. Comecei a ficar triste, corcovado…» Fez novo acordo com a mulher: dividiu o dinheiro com ela e os três filhos – duas raparigas e um rapaz, licenciados em Gestão. A mais velha, de 31 anos, fundou uma empresa de coaching. A do meio, de 27, é a única que trabalha com o pai, como directora de marketing. O rapaz, de 23 anos, é auditor na KPMG. A parte que lhe coube, Américo investiu-a em livraria com um novo conceito – a primeira abre no dia 6 de de Dezembro, em Lisboa. Disse à mulher: «Vou realizar mais um sonho. Tu não terás mais problemas financeiros na vida. E a mim, o pior que pode acontecer é perder o que estou a investir. Se perder, vou viver à tua custa. Mas, à noite, já só preciso de uma sopa.»

Depois de ter sido gráfico e editor, Américo Areal entra em força no retalho. É, por agora, o único rosto da Livrarias Peculiares S.A., detentora da Byblos. E como gosta de manter o seu low profile, assegura que, logo após a inauguração, voltará a esconder-se. No futuro, prevê, hão-de aparecer novos sócios para o substituir na fotografia.


Todos os livros
«Já não sei a quantas ando.» Cansado e stressado, senta-se no seu gabinete, no Porto, à frente de um quadro de Júlio Resende que retrata o pai. O telemóvel está imparável, interrompendo várias vezes a conversa em que explica as novidades que introduzirá no mercado livreiro. Visitou, com olhos profissionais, as melhores livrarias no mundo. Levou os seus directores ao Japão, América do Norte, Holanda, Alemanha. «A pergunta que cada um tinha de fazer era: o que desejo enquanto leitor» Estabeleceu um novo e transparente modelo de negociação entre editores e livreiros e aproveitou ao máximo as novas tecnologias. Depois da entrada dos livros nos hipermercados, do modelo Fnac e das livrarias associadas a editoras, faltava algo que reunisse tudo isto e ainda acrescentasse algo. «É preciso haver sempre um tolinho, para fazer com que o futuro surja mais cedo.» E assim apareceu a Byblos.

Américo quer contrariar «a lógica capitalista» que dá prioridade aos livros recentes e de grande rotação. «Quero ter a totalidade dos livros editados em Portugal e até deixar espaço para edições de autor.» Alargam-se corredores, abrem-se várias zonas de leitura diferentes, multiplicam-se os factores de interesse, tudo para que o visitante prolongue o seu tempo médio de permanência. «Tem de se atender bem quem compra e quem não compra. Como o velhinho que vai lá todas as manhãs ler o seu livro. Este leitor raramente compra um livro para si, mas sempre que quer dar um presente, oferece um livro dos que já leu.»

O sistema informático será um dos trunfos – tanto na gestão do stock como na relação do leitor com o livro, e até na forma de pagamento. O software é holandês; a arquitectura interior é de uma empresa alemã vocacionada para livrarias. Promete-se show-off. Mas deixemos que as visitas de cada um testem a eficácia esperada.


O direito de não ler
O telemóvel toca pela enésima vez.

«Ahhhhhh Yes, Yes, Excelente! Maravilha! Deixei de ficar tenso…» grita, com a maior felicidade do mundo. Algo que era fonte de grande preocupação acabou bem resolvido. O sorriso impôs-se-lhe no rosto, tornando-o ainda mais redondo. Américo Areal distende-se na cadeira e, agora sim, pode recordar os velhos tempos. Conta que, aos 6 anos, já conhecia todos os cantos à gráfica da Asa. Afinal, o pai fundou a empresa em 1951, ano do seu nascimento.

Descendente de gente humilde da freguesia da freguesia da Agrela, Santo Tirso, o pai, Américo da Silva Areal, tinha oito irmãos. Estudou no seminário até ao 10º ano, e empregou-se como contínuo residente no Colégio Broteiro, na Foz do Porto. «Conseguiu tirar o curso de professor primário e, mais tarde, a sua primeira licenciatura, em Geologia. Fazia resumos das lições, reproduzia-os e vendia-os. De contínuo passou a professor, e depois a autor de livros escolares», resume o filho. Acabou por tirar sete licenciaturas, até aos 58 anos. Morreu aos 61. Passou pelo Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, apoiou Humberto Delgado, viveu as alegrias da queda do fascismo. Mas, em 1975, o gonçalvismo deixou-lhe um amargo de boca. Morreu logo a seguir, tinha Américo 23 anos. Nos primeiros sete anos após a morte do pai, Américo contou com o apoio da irmã Zita, na gráfica e na editora. Apesar de formada em Arquitectura, Zita havia de criar a sua própria editora, a Areal, depois vendida à Porto Editora. Com a liberdade e o fim da política do livro único, a Asa prospera, sustentada pelos livros escolares. Para trás ficaram três falências, provocadas pela PIDE. Sorte foi que a mãe, Maria Olímpia Correia, era filha de agricultores abastados. «Tinha terras que deram para pagar três falências. Na terceira, ficaram os roupeiros e as camas.»

Américo filho gostava de ter sido ginecologista, mas o pai convenceu-o a optar por um curso técnico. Foi até ao 3º ano de Economia, mas não terminou o curso.

A Asa chegou a editar 400 livros por ano. Por isso, Américo não tem hoje paciência para ler um livro do princípio ao fim. «Um dos direitos do leitor é o de não ler, ou de saltar páginas», observa. Edita-se demasiado em Portugal? Encolhe os ombros. «Corresponde a uma multiplicidade de interesses. Contei a um taxista que ia abrir uma grande livraria. Perguntou-me logo se tinha livros sobre doenças de peixes. Respondi ‘Com certeza. Em Dezembro apareça por lá’. Terei mesmo de arranjar alguma coisa sobre doenças de peixes.


Byblos ponto a ponto [caixa]
- Inaugura-se a 6 de Dezembro, em Lisboa, no Edifício Amoreiras Square
- 3300 metros quadrados, só de área comercial
- Terá um vitrinista e um decorador de montras
- 150 mil títulos de fundo editorial, mais um conjunto de CD / DVD / Jogos de computador
- Quiosque com 260 metros quadrados
- 36 ecrãs tácteis, para que cada um possa pesquisar um título ou um autor e descobrir a sua localização exacta
- Cada estante robotizada terá capacidade para 65 mil exemplares
- 11 montras, com plasmas e possibilidade de consultas a partir da rua
- Auditório com 157 lugares sentados e outros tantos de pé, onde, a partir de Março, haverá as semanas temáticas
- O cartão da Byblos dará acesso a um site personalizado do cliente assim como acumulação de pontos
- 4 milhões de euros de investimento
- 60 mil euros / mês aluguer
- 40 a 50 funcionários na sede, no Porto
- 35 a 40 pessoas na livraria
- No próximo ano, nascerá, pelo menos, mais uma Byblos. A do Porto