sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Entrevista: Jorge Reis-Sá, Quasi Edições

Jorge Reis-Sá é o rosto principal das Quasi Edições, depois de uma parceria que se quebrou em 2004 com valter hugo mãe. Editor, poeta e escritor, Jorge Reis-Sá respondeu às nossas questões por e-mail.

As dificuldades inerentes a uma editora que tem na poesia a sua matriz orientadora, o projecto Do impensável que além das Quasi Edições alberga a
Editorial Magnólia e um ateliê de produção editorial. A gestão bicéfala, esquizofrénica, de equilíbrio num projecto empresarial que se pretende, simultaneamente, cultural.



As Quasi nasceram de um projecto pessoal ou de uma ideia que ainda hoje se mantém?
As Quasi nasceram de um projecto pessoal que ainda hoje se mantém. Mas não nasceram com a pretensão que hoje têm. De todo. A história é conhecida, um rapaz de 22 anos com um livro (mau por sinal) para publicar porque tinha ganho um prémio da terra onde tinha nascido e uma ideia de compilação dos poemas do pai para o final desse ano de 1999 (quando faria 5 anos da sua morte). Fazer uma edição de autor do "À Memória das Pulgas da Areia" e depois chamar o quê ao "Desde Sempre"? Chamemos a ambos os livros Quasi Edições, porque não? E assim nasceu um editora.

Entretanto o fascínio da edição, inexplicável. E o segundo livro em Dezembro já foi quinto. Em 2000 a constituição da empresa Do Impensável - Projecto de Atitudes Culturais onde se inseriram as Quasi. Depois, sinceramente, uma coisa daquelas que não acontece: editar livros, trabalhar neles, sem nenhum investimento financeiro, só uma força de vontade enorme e um anexo que a avó emprestou em sua casa
O crescimento foi exponencial. As Quasi hoje não são mais "o menino no fundo dos teus olhos" para de cor citar o Eugénio. As Quasi são a co-editora do Eugénio de Andrade, uma dos maiores poetas de todos os tempos em Portugal. E são editora de nomes que pareciam nunca poder ter cabido no anexo da minha avó. Coibir-me-ei de citá-los? Um passeio em http://www.quasi.com.pt/ e estão lá todos.


Como caracteriza actualmente as Quasi Edições?
Uma editora de literatura. Cada vez mais uma editora que se alarga do âmbito «quasi» restrito da poesia de onde surgiu e edita romances, portugueses e estrangeiros, ensaio literário ou científico, literatura musical, biografias, crónicas, entrevistas. E que aposta na edição de autores, com as obras completas em bibliotecas autónomas do já citado Eugénio, de Natércia Freire, de Daniel Faria, de Cruzeiro Seixas e, com início marcado para 2008, de António Botto e Vinicius de Moraes.
Uma editora de literatura. Uma editora de autores literários. Uma editora onde impera uma estética sob o primado da qualidade literária.


Quasi Edições, Editorial Magnólia, Ateliê de Produção Editorial. Quais são as principais diferenças?
O Atelier é, como o nome expressa, um prestador de serviços de edição. Por exemplo, o senhor Joaquim quer editar as suas memórias, mas não tem quem nele invista? Nós prestamos o serviço de lhe fazer um livro rigoroso, na pré-impressão, no design, na escolha de papéis, na distribuição. Não é, portanto, uma editora é uma prestadora de serviços de produção editorial.

As Quasi são o que tempo fez delas. Sei o que quero que sejam, mas já me parecem ter exposição e anos suficientes para ser o público leitor a defini-las.

A Editorial Magnólia um projecto novo, que se caracteriza pela edição de obras com pertinência editorial mas editadas para um público mais alargado do que o das Quasi. Como acontece no estrangeiro há anos e agora aos poucos em Portugal (ver as marcas da Asa - Caderno, Lua de Papel, Oceanos, Asa - ou da Cotovia (com as Livros da Raposa), da Bertrand (com a Quetzal) e agora muito recentemente com a Cavalo de Ferro (e o seu Paralelo 40) uma marca nova para permitir diferentes concepções estéticas, neste caso, da Magnólia, com livros mais acessíveis, mais ligeiros, mais vendáveis, esperamos.


De que forma se pode viabilizar uma empresa, cujo catálogo assenta em obras de poesia, sendo que muitos dos títulos são primeiras obras?
A empresa Do Impensável, conforme a pergunta e resposta anteriores, não são só as Quasi. E não são só as Quasi, a Magnólia e o Atelier. São também a Transporte de Animais Vivos, por exemplo, a editora discográfica. E, mesmo que com a utilização de algumas destas marcas, a ideia de dessacralização do livro necessária para os colocar em pontos de venda diferentes do retalho tradicional.

Mas a pergunta tem duas nela, pelo que responderei separadamente. As Quasi não são viáveis por si só. Ou se o são (e estamos no exacto momento em que escrevo a terminar o estudo do primeiro ano de distribuição com a DLB para tirar isso mesmo a limpo), são-no sem a pretensão de lucros. E quando falo nas Quasi, falo apenas no mercado livreiro, claro. Por isso, além da dessacralização falada, a aposta é nas pré-vendas, na procura de apoios públicos ou privados para cada título, tratando-o não como mais um livro no orçamento global, mas um livro que necessita de uma atenção maior do que o que seria normal (editar, colocar nas livrarias, esperar o retorno das vendas).

A segunda pergunta tem a ver com a empresa. E isso ultrapassa tanto o âmbito das Quasi como o âmbito editoral em si mesmo. Como viabilizar uma empresa? Eu, que sou «quasi» biólogo, ainda só aprendi uma maneira: reduzindo custos e aumentando receitas. E é isso que aqui tentamos diariamente fazer. Manter uma estrutura muito pequena, onde cada colaborador tem um papel muito definido (e ainda assim somos já 7 seremos 9 dentro de pouco tempo) e ir apostando paulatinamente e sem dar passos maiores do que as pernas em ideias que possam permitir a sobrevivência financeira, em última análise, o lucro, claro.

A Do Impensável é uma empresa, tendo um papel cultural a desempenhar (presunção e água benta, bem sei...) desempenhando-o, não pode esquecer que tem a seu cargo pessoas com famílias, que dela tiram o sustento. Isso é sempre uma das minhas maiores preocupações.


Que podemos esperar das Quasi Edições e da Editorial Magnólia para o futuro?
O Miguel Esteves Cardoso escreveu uma vez num prefácio a um conjunto das suas crónicas que o difícil não é nem começar, nem acabar. O difícil é continuar. Por isso podem esperar continuação. Nas Quasi a aposta reiterada na literatura, nos seu autores e em alguns que se vão juntando; na Magnólia a aposta reiterada em livros mais acessíveis, principalmente de índole ficcional e de bem-estar. E na empresa a criação em Março da primeira Loja das Quasi. Será em Vila Nova de Famalicão, num espaço que esperamos em tudo diferente das convencionais livrarias, e onde pode encontrar não só os livros das Quasi, mas fundos de catálogo e novidades na área da literatura, arte e literatura infantil. Já que, para além de livraria, será uma galeria no sentido lato, com 3 a 4 inaugurações de exposições de pintura e fotografia por ano, com objectos de arte onde a sua condição única imperará, desde cerâmica, ourivesaria ou outros que tais.

As Quasi Edições tiveram de passar por uma alteração profunda ao nível da distribuição. Quais as vantagens e desvantagens que sentiram e porque optaram pelo modelo actual?
O modelo actual é o da colaboração estreita com a DLB (Distribuidora de Livros Bertrand) que nos comercializa os títulos de todas as marcas. A alteração deveu-se tanto ao tamanho da própria editora (que não sustentava uma área comercial com custos fixos de pelo menos 3 pessoas, 3 carros, etc.) como da dificuldade nas cobranças às livrarias. Ainda hoje, mais de um ano depois de termos deixado a distribuição directa, e já depois de termos contratado uma empresa vocacionada para a cobrança, temos milhares de euros fora de portas. Preparamos, infelizmente, para este mês, a acção jurídica contra duas dezenas de livrarias do país.

Perdemos, como seria de esperar, o contacto com o retalhista. Mesmo que o tentemos promover trabalhando em conjunto com a DLB. Mas conseguimos uma coisa fundamental: segurança na tesouraria e redução de custos. O saldo é portanto positivo.


Como gostaria que os leitores vissem as Quasi Edições? Que tem feito para que a editora seja percepcionada dessa forma?
Uma editora com as dificuldades que indiquei não pode, infelizmente, apostar em marketing forte, que impliquem custos. Não temos margem, tão-só. Mas temos ideias. E uma delas passa pela revitalização do site da internet (http://www.quasi.com.pt/ ou http://www.magnolia.com.pt/) que deverá ser feita ainda este trimestre, tentando a relação directa com o público leitor. Gostava, claro está, que vissem as Quasi como um projecto honesto e de qualidade.

Quando, há anos, as Quasi estavam em estado de graça crítico (depois tornaram-se engraçadas e depois... não, não caíram em desgraça. Tornaram-se, antes, numa editora - o maior feito), perguntaram-me o que fazíamos nós para isso, eu respondia numa única palavra: livros. É isso que temos feito todos os dias para que as pessoas vejam as Quasi como algo de pertinente: livros. Bons livros, esperamos...


De que forma se podem promover obras de poesia, quando as receitas são regra geral muito baixas?
Quem souber responder a esta pergunta descobriu o Santo Graal da edição de poesia. Não sei. Mesmo. Talvez promovendo os autores em sessões de lançamento, mas vai tão pouca gente... Enviando os livros para os críticos, mas já nem suplementos literário existem... Talvez apostando no longo prazo.


Jorge Reis-Sá é uma figura pública, é poeta e escritor, é editor. Qual delas é realmente Jorge Reis-Sá? Não acha que por vezes os papéis se podem confundir?
Todos somos muitos e isso é o que de mais precioso existe em cada um de nós. Sim, sou poeta e escritor (embora não gosta do soma das palavras: acho-me apenas escritor, que também escreve poesia). Sim, sou editor. Mas sim, também sou estudante de biologia (assim me tenham deixado inscrever na FCUP este ano para terminar de uma vez o curso); leitor de ensaios sobre a transição entre o Cretácico e o Terciário e suas implicações mais extraordinárias; gestor de uma empresa; melómano amador; cinéfilo dos fracotes; torcedor do Famalicão e do Sporting; pai. E tanto mais que não vale a pena dizê-lo aqui.

Sou no período laboral, e julgo ser esse a que se refere a questão, três coisas e em três partes iguais: gestor, editor e escritor. Os papeis confundem-se? Certamente. Tento não fazer por isso, mas é impossível ser escritor e editor e esperar que os outros me separem como Dr Jekyll e Mr. Hyde. Como é muito complicado que as pessoas entendam que há decisões de gestão que se imiscuem nas editoriais. Não sou, nem nunca fui, um homem de carreira. Enquanto me apetecer escrever, tiver nisso prazer e algo para dizer - serei escritor. Enquanto mantiver o barco à tona - gestor. Enquanto o cheiro de um livro chegado da gráfica me encher de alegria - editor. E já tenho trabalho para umas 48 horas por dia...