quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Diz-se...

João Pereira Coutinho (JPC): Porque é que lês?

Miguel Esteves Cardoso (MEC): Para além de gostar, porque é a forma mais económica de conhecimento. É uma forma de roubo. Um gajo está dois anos a escrever um livro e tu lês aquilo numa noite, percebes? É roubar. É como roubar num supermercado.

(…)

JPC: Detesto aqueles tipos que têm uma atitude utilitária em relação a tudo: lêem para saber mais, para fazer currículo...

MEC: Isso é uma coisa dos portugueses de agora. A ideia de ler para: para tirar um curso, ir não sei onde, porque é obrigatório ler, etc. Essas pessoas não sabem o que verdadeiramente perdem. É como comprar um livro de viagens para depois ir conhecer o sítio. É ridículo. Os livros servem sobretudo a nossa curiosidade e também um sentimento de controlo que todos temos. Tu, ao leres um livro, és um pequeno deus. Pode ser um gajo de que gostas, tipo Gore Vidal ou Oakeshott. Quando queres, podes parar a leitura para pensar, ou saltas umas folhas, ou mandas o livro para o lixo. Isso não acontece na vida real, essa possibilidade de escolha.

JPC: E aqueles tipos que dizem que estão a ler várias coisas ao mesmo tempo nos inquéritos da praxe?

MEC: Isso são pessoas que não lêem. É tudo mentira. Pessoas que se lembram de dizer os livros todos que andam a ler são pessoas que não lêem.

João Pereira Coutinho e Miguel Esteves Cardoso, Independente, 07.09.2001 (disponível no website de JPC)