sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Entrevista: José Prata, Lua de Papel

Damos hoje início a uma nova secção do blogue (a repetir todas as sextas-feiras): a zona de entrevistas. Todas as sextas-feiras falaremos com um protagonista do sector do livro. Seja um editor, um revisor, um livreiro, um tradutor, um responsável comercial.
Esta semana é um editor: o rosto responsável pela imprint Lua de Papel, das Edições Asa.


José Prata, que antes de ser editor era jornalista, embora nos últimos anos como jornalista tivesse sido mais editor que… jornalista, respondeu às nossas questões por e-mail. Entre outros destaques, realçamos a crença que este profissional deposita sobre a questão das marcas – tema que abordaremos aqui mesmo, na Blogtailors.

Como surge o nome Lua dePapel? Que propósitos pretende atingir com este nome?
Surgiu com o propósito bem claro de seduzir um público feminino. O simbolismo da lua, para além de remeter para um universo feminino, apela também ao sonho, outra ideia que queremos vender na nossa editora. A filosofia subjacente é oferecer uma emoção e não um livro.

Porquê Lua de Papel e não apenas uma colecção dentro do universo da Asa? A estratégia tem resultado?
A Lua de Papel começou com oito colecções e este mês vamos inaugurar ainda outra. Ou seja, queremos abarcar um espectro relativamente alargado de livros de não ficção. Se o fizéssemos dentro da ASA, não acrescentaríamos uma colecção, mas sim várias. Por outro lado, seria impossível conferir uma nova identidade (gráfica, sobretudo) ao tipo de livros que publicamos e que no universo da ASA não tinha expressão. Quanto à questão de resultar ou não, a resposta é: obviamente resultou: os livreiros, que são o nosso primeiro cliente, sabem como colocar da melhor maneira os nossos livros, não há aqui desvios ou ambiguidades.

Como surgiu "O segredo"? Foi um feeling ou o sucesso era evidente e tratou-se apenas de capacidade financeira para adquirir o título?
Foi obviamente um feeling – este negócio, de resto, surge quase sempre associado a intuições. Vi um cartaz a anunciar o livro em Frankfurt, senti que a imagem tinha enorme potencial e que o livro, sem ser novo, tinha algo de novo (combinava na perfeição dois universos, o dos livros pós-Dan Brown e a nova moda da Psicologia Positiva). Lembro-me que na altura até falei a uma jornalista do Público sobre o livro, embora, obviamente, não referisse o nome – tal era a minha convicção no seu sucesso.
No caso vertente, a capacidade financeira nada teve a ver com o caso. Paguei um advance obscenamente baixo sobre o livro – qualquer editor de pequena/média dimensão poderia tê-lo comprado…

Como foi a estratégia de comunicação e distribuição montada para este título?
Foi toda centrada nas características próprias do livro – o que pode parecer uma lapalissada, mas não é. Se o livro se intitula O Segredo, e se vende esse conceito de secretismo, vamos explorá-lo ao máximo. Fizemos uma pequena edição fac-similada do livro, que distribuímos pelos livreiros; fizemos um expositor, cartazes, leques, etc., ou seja, tudo recursos mais ou menos comuns no meio. Mas em todos eles preservámos o secretismo: os textos publicitários que escrevi não incidiam em números de venda, nem em países onde o livro foi publicado, preferindo antes dar o mínimo de informação, para melhor deixar sobressair a imagem de marca: o lay-out à la Da Vinci, o lacre, etc.

Que pontos em comum podemos encontrar entre o autor, o jornalista que fala de livros e o editor?
Nos últimos anos da minha carreira como jornalista fui (infelizmente) mais editor do que jornalista. O trabalho de editor/jornalista tem obviamente afinidades com o de editor de livros. Temos de comunicar um produto, temos de ter coerência entre a capa e o conteúdo, temos de competir em banca (ou em livraria) com os produtos da concorrência, etc. Mesmo os textos de capa de uma revista (que eu fazia questão de escrever pessoalmente) têm elementos em comum com os textos de capa dos livros (que sou eu a escrever): poder de síntese, apelo comercial, etc.
As afinidades entre o “autor” e o editor são mínimas: publiquei um livro apenas, o que para efeitos práticos da minha vida actual é suficiente para compreender as angústias dos autores, ou a dificuldade em lidar com os respectivos egos.
Por fim, como jornalista que escreve sobre livros, tinha um olhar crítico obviamente incompatível com a actividade editorial; ou seja, como crítico analiso tudo à lupa dos critérios (subjectivíssimos) da “qualidade”. Como editor tenho de pensar também na marketabilidade de qualquer livro.

Que ensinamentos tirou da sua carreira de jornalista para a sua actividade de editor no que à promoção das obras diz respeito?
Fiquei com uma noção daquilo que pode ou não interessar os media, logo é-me mais fácil “vender” aos antigos colegas os meus livros ou ideias de artigos sobre os meus livros.

De que métodos faz uso para escolher os seus títulos?
Vários, sobre os quais não falarei aqui, porque a O Segredo é a alma do negócio. Digamos que recolho o maior número possível de elementos sobre a obra, embora a decisão final seja absolutamente intuitiva – não há intuição sem informação.

E-books, audio-books, hipertexto, hiperligação. Como vê o futuro do livro, à luz de uma era em que impera o digital?
As notícias da morte da pintura quando nasceu a fotografia eram obviamente exageradas. O livro vai sobreviver ao digital, e o digital vai existir como uma outra indústria, quer paralelamente, quer autonomamente.

Se tivesse que invocar uma iniciativa na qual a Lua de Papel foi inovadora, qual seria?
Mais uma vez, vejo-me obrigado a não responder. A inovação felizmente nem sempre é percepcionada pela concorrência, é anterior à colocação do livro no mercado e sobre ela não quero falar.

Quais os maiores desafios com que se depara a Lua de Papel no futuro?
Contra toda evidência das informações disponíveis sobre o mercado (que são muito escassas), continuo a acreditar nas marcas. O desafio é tornar a Lua de Papel mais marca, não no sentido de uma marca editorial, mas antes como uma marca que está para além dos livros. Por outras palavras, não quero vender conteúdos, mas sim acrescentar valor à vida dos leitores – e fazê-lo, evidentemente, com lucros para os accionistas da empresa.