quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Entrevista: Adriana Lisboa

Aproveitando a passagem de Adriana Lisboa por Portugal, na qual promoveu o seu último romance, “Rakushisha” (edição da Quetzal Editores), o Blogtailors entrevistou por e-mail a vencedora do Prémio José Saramago de 2003 (pela obra “Sinfonia em Branco”). A sua obra espraia-se pelo miniconto, pelo texto infantil e pelo romance. Está presente em diversas antologias. Em 2007, o projecto Bogotá 39/Hay Festival integrou-a na lista dos 39 escritores autores latino-americanos mais importantes (com menos de 39 anos na altura).

1. Adriana Lisboa venceu em 2003 o Prémio José Saramago. Que importância teve este prémio para a sua carreira, nomeadamente em Portugal?
O prêmio teve uma importância muito grande. Em primeiro lugar porque algo assim te dá um norte, te sinaliza com a ideia que que o que você está fazendo em termos de literatura não está totalmente equivocado nem é algo fora deste mundo. As pessoas estão lendo e compartilhando, e um prêmio é como que uma sinalização para seguir em frente. Mas não foi só isso, claro. Logo em seguida ao prêmio, e por causa dele, dois marcos na minha carreira aconteceram: a participação na Festa Literária de Paraty (FLIP), onde pela primeira vez me senti uma escritora crescidinha, e o início do agenciamento dos meus livros pela querida Ray-Güde Mertin, trabalho continuado hoje com enorme competência por Nicole Witt.

2. Inicialmente publicada na colecção Lusografias da Temas & Debates, por Maria do Rosário Pedreira, o seu último livro sai em edição Quetzal Editores, agora dirigida por Francisco José Viegas. Como encarou esta mudança de chancela?
Eu estava bem acompanhada na Temas e estou bem acompanhada na Quetzal. Acho que foi uma mudança esperada e natural.

3. Este é uma daquelas perguntas de algibeira: é a favor ou contra o acordo ortográfico e porquê?
Sou inteiramente contra. Acho que o acordo, se simplifica algumas coisas, vai dar por outro lado um trabalho imenso e desnecessário. Acho muito barulho por nada. Infelizmente, é preciso adotá-lo (já fui contactada no Brasil por pessoas que defendem a resistência, mas quando os livros que escrevo ou traduzo forem para a produção eles serão invariavelmente corrigidos para estar de acordo com a nova norma).

4. O Acordo ortográfico entrou em vigor no Brasil desde o início do ano. Quais as principais dificuldades e vantagens que está a observar com esta uniformização da ortografia?
As vantagens são a facilitação de certas coisas. É mais fácil, por exemplo, poder jogar fora o acento que diferenciava “para” de “pára”. Por outro lado, o trabalho para a implementação dessas novas normas não sei se as justifica. Recebi um manual sobre o que muda com a reforma e, sinceramente, por mais que se diga que são mudanças cheias de sentido e lógica, não sei se vou conseguir decorar todas. Só na próxima encarnação, mas então é possível que eu esteja falando mandarim. Ao mesmo tempo, as principais diferenças entre o português falado no Brasil e em Portugal, para ficar só com esses dois países, é muito mais vocabular do que ortográfica! Nós nos entendemos perfeitamente se um escreve fato e o outro escreve facto. Já não sei se isso é verdade se um escreve autoclismo e outro escreve descarga, se um escreve comboio e o outro escreve trem.

5. Qual a importância que tem para um escritor brasileiro ser publicado em Portugal?
Nós no Brasil estamos isolados: isolados do resto da América Latina por questões idiomáticas (e também, penso, porque nossas cidades culturalmente mais importantes estão todas no espaço entre o Planato Central e o Atlântico), isolados dos outros países de língua portuguesa por distância física ou mero desinteresse. O Brasil gosta do próprio umbigo, ou então importa lixo (o cinema hollywoodiano blockbuster, os reality shows, essas coisas). Portanto, penso que com a nossa publicação em Portugal estamos estabelecendo uma outra comunicação, ampliando um outro espaço, que pode ser extremamente enriquecedor e diverso. O Brasil precisa sair de si mesmo, e para a literatura isso é urgente. Portugal foi o primeiro país estrangeiro a me publicar, o que mudou muita coisa, arejou a minha visão daquilo que escrevo e lançou meus livros numa viagem que é cada vez mais instigante e interessante.

6. A Adriana Lisboa estudou música, foi cantora, flautista. Onde é que, no meio de tudo isto, entra a escrita?
A literatura antecedeu tudo isso. Existe na minha vida desde que aprendi a ler e escrever. A música veio depois, mas era um amor subalterno. Trabalhei por um tempo com música, depois deixei-a de lado oficialmente, mas ela ainda faz parte da minha vida de modo informal.

7. De que forma a sua formação nas áreas referidas entra na oficina da escritora?
Estou sempre atenta à musicalidade do texto. O que, de certa forma, também se comunica com o quanto me atrai a poesia. Embora eu escreva poesia, não publico, mas essa escrita (e a leitura de poetas) está no plano de fundo da minha prosa. Como acho que a música está também.

8. A Adriana Lisboa além de escritora, também traduz para o português nomes como Cormac McCarthy ou Robert Louis Stevenson. Como é que convivem a autora e a tradutora?
Convivem em paz. Sempre tive como divisa, ao traduzir, que é preciso respeitar o texto alheio, e esse é um grande aprendizado. Ao mesmo tempo, traduzir é um modo de ler com infinita atenção, e essa leitura acaba sendo, também, útil à escrita. Você penetra na argamassa do texto dos outros autores, percebe seus recursos e também suas falhas, e isso é útil quando vai escrever seus próprios textos.

9. Fale-nos um pouco do seu último livro. Como e quando é que se desenhou a primeira palavra do livro?
Meu último livro começou a ser escrito em 2003. Mesmo tão pequeno, trabalhei nele durante quatro anos. Ao longo dos primeiros três anos e meio, decidi estudar japonês e mergulhei em leituras não apenas de Bashô como de outros poetas clássicos, como Issa e Buson, que me encantam, e de outros autores e pensadores japoneses, de teorias estéticas sobre a arte da cerâmica e do chá etc. Mas faltava ir ao Japão. O livro estava emperrado sem essa viagem. Então, em junho de 2006 passei um mês em Kyoto, com uma bolsa da Fundação Japão, e ao voltar completei o livro em seis meses. Joguei fora grande parte do que tinha feito até então.

10. Que está a escrever neste momento? Podemos esperar um novo livro para breve?
Dizem que escrevo rápido, mas eu não tenho essa sensação. Estou escrevendo um romance no momento, mas tenho a impressão de que ele não ficará pronto muito cedo. Inclusive porque há algumas pesquisas envolvidas e algumas viagens que preciso fazer pelo deserto do sudeste norte-americano. É um livro sobre o deserto, em vários sentidos. Talvez ele esteja pronto em dois anos. Talvez esteja pronto antes. Ou depois. É difícil dizer.
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