sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Acordo ortográfico: relação romântica com idioma gera resistência a mudanças (Pinto Ribeiro)

A não perder a entrevista de Pinto Ribeiro ao Folha de S. Paulo, toda ela dedicada ao Acordo Ortográfico. Excertos:


«FOLHA ONLINE - Existe risco de ele [Presidente da República - Cavaco Silva] não promulgar? E o que acontece caso isso ocorra?
RIBEIRO - O presidente da República era o primeiro-ministro quando o acordo ortográfico foi assinado e foi ratificado, em 1991. Portanto foi o governo dele quem negociou o acordo ortográfico. Não creio que seja politicamente expectável do senhor presidente da República, que nunca disse que tivesse mudado de opinião relativamente ao acordo ortográfico que ele mesmo negociou e que ele propôs a sua ratificação. Portanto, não creio que não possa ratificar.

FOLHA ONLINE - Em Portugal houve certa resistência ao acordo, de grupos de intelectuais inclusive. Por quê? RIBEIRO - Há uma alteração na ortografia portuguesa, como há na ortografia do português escrito no Brasil, que perturba alguns dos escritores e poetas, que têm uma relação com a língua quase física. As pessoas que são poetas sentem que as palavras têm cheiro, cor, volume, densidade, peso. Quando a gente escreve durante anos cisne com "y" e passa a escrever sem aquilo, perturba.
(...)
Com certeza tudo isso é respeitável, ninguém impede que os escritores continuem a escrever como quiserem. Há umas pessoas agora que acham que isto lhes causa confusão. Pois não há problema nenhum. Também há umas pessoas que acham, politicamente, que Portugal deveria assumir uma atitude de olímpicos interesses em questão ortográfica. Acham mesmo que a questão ortográfica não é uma questão importante e, portanto, acham que nós estamos no fundo a ser regidos, dirigidos, determinados pelo Brasil, em vez de sermos determinados por nossos próprios interesses.

Nada disso é verdade. Não há mais legitimidade dos portugueses ou dos brasileiros para definir a norma, porque somos todos falantes do português. Da mesma maneira como há palavras que são diferentes entre o Porto e Lisboa e há formas de escrever que não são as mesmas, mas isso não tem problema nenhum, é normal. Portanto, aquilo que estamos a tentar fazer é unificar a grafia. Os escritores, os poetas, as pessoas são livres para escreverem como entenderem.
(...)
FOLHA ONLINE - A ex-ministra da Cultura era contra o acordo? Isso dificultou a ratificação?
RIBEIRO - Quem exerceu as funções antes de mim, a professora Elisabete de Lima, não tinha uma idéia muito clara sobre esse ponto e se rendeu a uma posição que me pareceu politicamente injustificada. Ela defendia que Portugal ratificasse o segundo protocolo adicional [que reduziu para três o número de países necessários para ratificar o acordo para as regras entrarem em vigor] e, ao mesmo tempo, dissesse que o acordo entrasse em vigor só dez anos depois de nós o ratificarmos. Era como se nós fizéssemos um casamento e depois disséssemos que o casamento entrava em vigor em dez anos. Então, o melhor é não ratificar, se a gente só quer casar daqui a dez anos. Essa é uma coisa um pouco estranha. »

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