quarta-feira, 28 de maio de 2008

Caixotim e a Feira do Livro

Na sua newsletter, a Caixotim divulgou o texto que abaixo reproduzimos. Tema: Feira do Livro.
«Abriu há poucos dias a 78.ª Feira do Livro do Porto. Embora sem os focos polémicos que rodearam a Feira do Livro de Lisboa, envolvendo as associações de editores e livreiros e espelhados na comunicação social, também a Feira do Livro do Porto apresenta algumas diferenças em relação aos anos transactos, designadamente quanto à disposição dos expositores na Tenda exterior e a ausência de serviços que penalizam aqueles que nela participam (bastará citar o caso da falta de funcionamento do restaurante que dava apoio a todos quantos nela estão a trabalhar entre as 15 e as 24 horas ou a inexistência de uma instituição bancária, a qual servia múltiplas operações decorrentes deste certame). Além disso, poucos terão deixado de reparar que, na proximidade temporal desta 78.ª Feira do Livro do Porto – e entrando mesmo na data da sua realização – se instalou na Avenida dos Aliados uma tenda de comercialização de livros a preços baixos, não descatalogados pelos editores, rotulada "primavera dos livros", acção em que estiveram envolvidos responsáveis pela Organização oficial da Feira que decorre agora no Palácio de Cristal. Não acreditamos que a APEL e a UEP desconheçam esta situação, pelo que essa iniciativa só pode revelar que o sector do livro e as práticas livreiras se tornaram uma actividade exclusivamente lucrativa, com regras pouco claras e até ostensiva desfaçatez. Por outro lado, contrariando o disposto no artigo 1.º do Regulamento, permite-se a instalação de quem apenas comercializa livros em língua estrangeira, quando só o poderia fazer para a líng ua portuguesa. Por tudo isto (e o mais que aqui se omite) pergunta-se: que motivos levam a que actualmente a Feira do Livro do Porto não seja organizada e programada por Editores e Livreiros da Cidade, como acontecia no passado? Acaso os certames que tinham lugar nos Aliados e que estiveram, ao longo de decénios, sob a responsabilidade de editores como Fernando Machado, Tavares Martins, Manuel Vieira, Fraga Lamares e tantos outros, não constituíram importantes realizações, com larga participação de instituições e dos portuenses em geral?

Entretanto, alargando o âmbito desta análise, ao declarar abertamente, através da comunicação social, o seu desinteresse na participação da Feira do Livro do Porto, justificando-o por uma premissa de ordem comercial, o Grupo LeYa manifestou, para com os leitores do Norte, em geral, e os portuenses, em particular, um total alheamento, senão desprezo, mitigado por uma solução de remedeio encontrada à última hora e que se traduz na presença de uma distribuidora que expõe e comercializa os livros das editoras desse Grupo.

Depois, subsiste o que aconteceu e ainda se verifica em Lisboa, com a pretensão, concretizada, da diferenciação expositiva dessa mesma empresa. Aquilo que diversos Editores, ao longo dos anos, não conseguiram pela força dos argumentos, foi conseguido, de forma sobranceira e diferenciadora, à custa do poder financeiro (senão de outras influências) por uma empresa recém-criada, que agregou numa holding várias editoras de renome. De facto, aquando da primeira participação de «Edições Caixotim» na Feira do Livro de Lisboa — e até por essa razão, dado a inexistência de pavilhão anterior — solicitou-se à APEL a inclusão de um pavilhão idêntico aos demais no seu desenho exterior, mas com algumas diferenças quanto aos materiais de fabrico e na sua disposição interna. Os motivos prendiam-se com a exposição de «edições especiais», que constituem uma das vertentes de maior prestígio desta Editora. Não se buscava, com essa atitude, criar graus de distinção ou supremacia entre editores ou autores literários, mas simplesmente apresentar de forma particular e ainda mais digna o resultado de um trabalho de vários anos, conseguido por uma grande exigência de qualidade editorial e gráfica.

Contudo, tal não foi autorizado pela APEL, que invocou o princípio de se evitar criar assimetrias entre todos os expositores, respeitando com isso não uma uniformidade no que é exposto por cada um, mas reconhecendo que as opções e os interesses dos leitores devem centrar-se exclusivamente nos autores e na qualidade das obras apresentadas e não em elementos externos da esfera do design ou do marketing. Como é evidente, respeitámos essa decisão e compreendemos as razões.

Perante os recentes episódios que envolvem a Feira do Livro de Lisboa temos assistido a uma declarada leviandade no modo como a situação tem sido entendida por analistas e pela comunicação social. Nada haveria, com certeza, a divergir ou até a opor se o Grupo LeYa organizasse a sua própria venda de livros, nesta ou noutra altura, à margem da sazonal Feira do Livro. Todavia, é procurando capitalizar as sinergias de uma iniciativa que tem largas dezenas de anos e que constituiu, sobretudo no passado, um das acções mais emblemáticas para a apresentação e divulgação de livros e autores, que o Grupo LeYa se arroga numa participação sem cumprimento das regras, desde os prazos da inscrição até aos regulamentos vigentes, conforme tem noticiado a APEL. É isso que está em causa, com toda a perturbação e demagogia de razões que têm sido invocadas para essa diferenciação.

«Edições Caixotim» é uma editora do Porto, inscrita na APEL, com mais de sete anos de actividade. A importância da sua actividade editorial pode ser avaliada através do habitual catálogo ou no sítio electrónico http://www.caixotim.pt/. É público o reconhecimento que instituições, entidades públicas e privadas, Universidades e Centros de Investigação, autores e leitores têm manifestado por esta Editora e pelo seu papel na edição portuguesa actual. O editor está, por diversos modos, inserido nesta actividade há mais de vinte e cinco anos, inclusive, numa vertente pessoal, investigando e publicando textos sobre a edição de livros, a história de algumas editoras, editores, livreiros e alfarrabistas. Por isso, não pode deixar de assumir uma posição crítica pelo modo como finalizou o processo da Feira do Livro de Lisboa, tanto mais que esta é apenas uma das facetas visíveis de uma atitude e prática que poderá subverter não só o universo da edição em Portugal, como condicionar, certamente, o futuro das opções de leitura de cada um de nós. Como sabemos, neste particular a procura tem por base a oferta e, condicionada esta (os chamados tops e indicadores de venda imprescindíveis aos «gestores de produto» são disso exemplo), o espectro do que se quer fica necessariamente ao sabor do que se propõe…

Lamenta-se, por outro lado, que quer as entidades associativas e institucionais, quer a comunicação social e, principalmente, aqueles que detêm a qualidade de "autores", não tomem posição quanto ao que significa esta atitude do Grupo LeYa, que se estende ao teor da sua apresentação na Web. Não nos cabe pactuar com a apatia geral e o manifesto desinteresse com que outros aceitam esta posição de força, indicativa de meros interesses empresariais, entenda-se, comerciais. Na nossa perspectiva, é a própria história da edição em Portugal e o que esta representou no surgimento de autores, correntes literárias, movimentos culturais, que serviram a dar fisionomia criativa, literária e cultural a Portugal que paulatinamente será posta em causa. Nesta Editora não há a estultícia de ensinar quem quer que seja a editar, ainda que se mantenha o propósito de lutar pela memória das artes gráficas e pelo saber daqueles que fizeram emparceirar a "arte negra" ao lado das mais elevadas criações do espírito humano, mas, por isso mesmo, com o saber da História e os testemunhos do passado, jamais se poderá aceitar o advento de quem pretende, a modos de descoberta paraclética, "despertar as múltiplas geografias da alma lusófona" e "transformar […] a alma lusófona em linguagem universal». Não o aceitamos porque reconhecemos, sem miopia, que essa vocação tem sido assumida ao longo de mais de um século por muitos Editores e, principalmente por aqueles que estando distantes das esferas comerciais, fazem da sua vida uma via de p ensamento e de acção cultural. Afinal, para que serve a demagogia das palavras, quando a realidade das afirmações e da prática se mostra despudoradamente outra?

O Editor

Paulo Samuel»